A liturgia do XV Domingo do Tempo Comum recorda-nos que Deus atua no mundo através dos homens e mulheres que Ele chama e envia como testemunhas do seu projeto de salvação. Esses “ENVIADOS” devem ter como grande prioridade a fidelidade ao projeto de Deus e não a defesa dos seus próprios interesses ou privilégios.
A primeira leitura (Am 7,12-15) apresenta-nos o exemplo do profeta Amós. Escolhido, chamado e enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens – com verdade e coerência – os projetos e os sonhos de Deus para o mundo. Atuando com total liberdade, o profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem amordaçar pelos seus próprios interesses pessoais.
A segunda leitura (Ef 1,3-14) garante-nos que Deus tem um projeto de vida plena, verdadeira e total para cada homem e para cada mulher – um projeto que desde sempre esteve na mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado aos homens através de Jesus Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem subterfúgios.
No Evangelho (Mc 6,7-13), Jesus envia os discípulos em missão. Essa missão – que está no prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino e em lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de ser feliz. Antes da partida dos discípulos, Jesus dá-lhes algumas instruções acerca da forma de realizar a missão… Convida-os especialmente à pobreza, à simplicidade, ao despojamento dos bens materiais.
Leituras
12Disse Amasias, sacerdote de Betel, a Amós:
‘Vidente, sai e procura refúgio em Judá,
onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia;
13mas em Betel não deverás insistir em profetizar,
porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino’.
14Respondeu Amós a Amasias, dizendo:
‘Não sou profeta
nem sou filho de profeta;
sou pastor de gado e cultivo sicômoros.
15O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho,
e o Senhor me disse:
‘Vai profetizar para Israel, meu povo`’.
Palavra do Senhor.
e a vossa salvação nos concedei!
9aQuero ouvir o que o Senhor irá falar:*
9bé a paz que ele vai anunciar.
10Está perto a salvação dos que o temem,*
e a glória habitará em nossa terra.R.
11A verdade e o amor se encontrarão,*
a justiça e a paz se abraçarão;
12da terra brotará a fidelidade,*
e a justiça olhará dos altos céus.R.
13O Senhor nos dará tudo o que é bom,*
e a nossa terra nos dará suas colheitas;
14a justiça andará na sua frente*
e a salvação há de seguir os passos seus.R.
3Bendito seja Deus,
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito
em virtude de nossa união com Cristo, no céu.
4Em Cristo, ele nos escolheu,
antes da fundação do mundo,
para que sejamos santos e irrepreensíveis
sob o seu olhar, no amor.
5Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos
por intermédio de Jesus Cristo,
conforme a decisão da sua vontade,
6para o louvor da sua glória
e da graça com que ele nos cumulou no seu Bem-amado.
7Pelo seu sangue, nós somos libertados.
Nele, as nossas faltas são perdoadas,
segundo a riqueza da sua graça,
8que Deus derramou profusamente sobre nós,
abrindo-nos a toda a sabedoria e prudência.
9Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade,
o desígnio benevolente
que de antemão determinou em si mesmo,
10para levar à plenitude o tempo estabelecido
e recapitular em Cristo, o universo inteiro:
tudo o que está nos céus
e tudo o que está sobre a terra.
11Nele também nós recebemos a nossa parte.
Segundo o projeto daquele
que conduz tudo conforme a decisão de sua vontade,
nós fomos predestinados
12a sermos, para o louvor de sua glória,
os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo.
13Nele também vós ouvistes a palavra da verdade,
o evangelho que vos salva.
Nele, ainda, acreditastes
e fostes marcados com o selo do Espírito prometido,
o Espírito Santo,
14que é o penhor da nossa herança
para a redenção do povo que ele adquiriu,
para o louvor da sua glória.
Palavra do Senhor.
Naquele tempo:
7Jesus chamou os doze,
e começou a enviá-los dois a dois,
dando-lhes poder sobre os espíritos impuros.
8Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho,
a não ser um cajado;
nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura.
9Mandou que andassem de sandálias
e que não levassem duas túnicas.
10E Jesus disse ainda:
‘Quando entrardes numa casa,
ficai ali até vossa partida.
11Se em algum lugar não vos receberem,
nem quiserem vos escutar, quando sairdes,
sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!’
12Então os doze partiram
e pregaram que todos se convertessem.
13Expulsavam muitos demônios
e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
SER CRISTÃO É SER ENVIADO
Colocando-se diante do Evangelho de hoje, muitos podem facilmente correr o risco de considerar que “estas indicações” de Jesus dirigem-se especialmente a outros: missionários, catequistas, religiosos ou a poucos leigos que ajudam nas “tarefas pastorais”. Mas acontece que os evangelistas, ao colocar as palavras de Jesus por escrito, não tinham diante de si uma Igreja ou um Cristianismo como o nosso, com uma história e uma distribuição de tarefas e vocações determinadas. É mutável, a propósito. Eles estavam simplesmente pensando nos “seguidores de Jesus” que estavam aceitando as Boas Novas do Reino. Quer dizer: que os destinatários de seus escritos eram “globalmente” os irmãos na fé. Todos.
Os apóstolos, o grupo dos Doze, representam nos Evangelhos o que qualquer seguidor ou discípulo de Jesus é chamado a ser e a viver. Nem todos da mesma forma, claro, de acordo com o apelo que o Mestre dirigiu a cada um. São Paulo disse-nos hoje: “Deus nos escolheu na pessoa de Cristo, para que, pelo amor, sejamos santos e irrepreensíveis diante dele. Ele nos destinou na pessoa de Cristo para sermos seus filhos”. Quer dizer: que todo cristão foi chamado em Jesus a ser filho de Deus. E também que todo cristão foi destinado em Jesus a ser irrepreensível no amor. Esta é a vocação comum, algo que nos preocupa todos: você e eu e qualquer pessoa batizada. O Papa Francisco diz: “O batizado que não sente necessidade de anunciar o Evangelho, de anunciar Jesus, não é um bom cristão”. Portanto: Santos, irrepreensíveis no amor, filhos. Isso desde o início.
Como Amós, não vale dar-lhe desculpas: é que “não sou profeta nem filho de profeta, mas pastor e cultivador de figos“. Eu não tenho tempo. É que estou mais velha. Sou jovem. Não estou preparado. Porque teremos de ser o que o Senhor decidiu, mesmo que pareça incômodo, difícil…
São Marcos nos disse que Jesus escolheu doze apóstolos “para estar com Ele e enviá-los a pregar, com o poder de expulsar demônios“. Teríamos aqui os elementos que definiriam o que significa “ser cristão / discípulo”: estar com Ele e ser enviado.
- Primeiro: ESTAR COM ELE: Intimidade com o Mestre. Jesus não está mais fisicamente conosco, como estava então. “Estar com Jesus” significa ter uma relação pessoal, íntima, amigável e amorosa com ele. Aceite que ele quis contar comigo, que veio me procurar, me chamou, me ama e precisa de mim no seu grupo.
Especificando um pouco mais, estar com ele significa:
Ouça seus ensinamentos. “Discípulo” significa literalmente “aquele que aprende com”. Mas seus ensinamentos não são simplesmente ideias, nem critérios éticos, nem opiniões, normas, nem dogmas… São um modo de vida. Os discípulos, estando com Jesus, tiveram que mudar a sua mentalidade, os seus costumes, os seus valores, a sua forma de rezar e compreender Deus, de se relacionar com os outros… Assim: partilhar, servir, perdoar, acolher o outro embora seja diferente, ajudar os pobres, ter o coração limpo ou trabalhar pela justiça e pela paz… passaram a ser as chaves de uma nova forma de estar e estar juntos.
Ore no estilo de Jesus: a oração de Jesus foi muito especial. Ele encontrou Deus a cada passo, em todas as coisas, especialmente na vida dos homens e na sua. Tudo passou a ser “matéria” para falar com Deus… e tudo o que ele estava vivendo e fazendo falava com Deus. Ele continuamente ia ao Pai para perguntar-lhe qual era a sua vontade, como ele deveria fazer as coisas, como enfrentar as dificuldades do caminho. Porque se sentia um “FILHO AMADO” e enviado do pai.
Estar com Jesus é inseparável de “estar” com os companheiros de Jesus. Ele vai te dizer mais tarde “vocês são meus amigos… se vocês se amarem.” Ou seja, ser discípulo é ser “IRMÃO“; ser comunidade. E é ele quem escolhe meus irmãos e companheiros. Eles não têm que gostar de mim, ou pensar em tudo como eu, ou ter a minha idade, ou um pequeno grupo com quem me sinto confortável e fazer alguma atividade pastoral ou de solidariedade juntos… A fé cristã nunca é uma espécie de assunto privado entre Deus e eu, nem entre um grupo seleto com o qual sou sinônimo. Não existe fé cristã sozinha ou em grupos isolados ou fechados. Não há cristão sem comunidade fraterna. E se tenho o grande dom de ter uma pequena comunidade de irmãos… tem que me servir e me ajudar a compartilhar e valorizar outras comunidades. Porque o meu sempre será pequeno, limitado, incompleto. Os dons do Espírito são sempre para o bem comum. De todos.
- SER ENVIADO. Quer dizer: Compartilhe seu projeto de vida. A TODOS os que “estão com ele”… ele vai enviá-los. Não para alguns sim e para outros não. Alguns não saem em missão, enquanto outros ficam para lhe fazer companhia. Envia-os dois a dois, para que se registre esta dimensão comunitária do Evangelho e também para que se ajudem nas dificuldades inevitáveis que encontrarão ao longo do caminho. Eles vão como “TESTEMUNHAS” do que aprenderam e como eles próprios mudaram como resultado de seu relacionamento com Jesus. Essa será a tarefa, a missão com o povo.
O Papa Paulo VI escreveu:
“O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade os que dão testemunho do que os que ensinam; ou se dão ouvidos aos que ensinam, é porque dão testemunho … Será sobretudo pela sua conduta, pela sua vida, que a Igreja evangelizará o mundo, isto é, pelo testemunho vivido de fidelidade a Jesus. Cristo, da pobreza e do desprendimento dos bens materiais, da liberdade dos poderes do mundo, numa palavra de santidade ”(Paulo VI, EVANGELII NUNTIANDI, 41)
E o Papa Francisco:
“Não somos testemunhas de uma ideologia, não somos testemunhas de uma receita, de uma forma de fazer teologia. Não somos testemunhas disso. Somos testemunhas da cura e do amor misericordioso de Jesus. Somos testemunhas de suas ações na vida de nossas comunidades”.
- O conteúdo da sua mensagem é a “CONVERSÃO“. Literalmente significa “mudar de ideia” para se abrir a Deus, para acolher a mensagem do Evangelho, para começar a ser “outro”… como os próprios discípulos experimentaram. Mas não se trata apenas de palavras e discursos. Funciona também: a luta contra os “espíritos imundos”, contra os demônios, contra todas as forças que reduzem a dignidade do homem, contra tudo que: escraviza, faz o homem sofrer, despersonaliza, manipula ou destrói o homem. Jesus não lhes deu “autoridade” sobre as pessoas, nem sobre suas consciências, eles não têm que se impor, ou mandar… eles só têm autoridade / poder para lutar em plenitude contra o “impuro”. Se as pessoas não te recebem, nem te ouvem… deixa-as ir para outro lugar. Ou seja, o êxito não está garantido e haverá ameaças e rejeições. Jesus sabe muito bem que acaba de ser expulso da sinagoga de sua cidade e rejeitado.
Há pontos a meditar, é claro: o que eles devem fazer na jornada, aonde ir, os demônios… Mas vamos ficar por aqui: trata-se de tornar todos nós mais conscientes de que cada batizado tem uma tarefa a cumprir. No dia em que assumi meu batismo, aceitei que o Senhor me chamasse para estar com ele e ser enviado. Talvez eu ainda ande com meus rebanhos e meus figos… Hoje o Senhor te diz: “vai e profetiza ao meu povo.” Ou como Jesus diria: “Eu vos envio: façam discípulos.” São as palavras finais de cada Eucaristia: “VAMOS EM PAZ“, com o Pão, a Palavra, a paz e a força do Espírito que recebemos.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Imagem: FLICKR
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)