MARAVILHAR-SE DIANTE DO MISTÉRIO EUCARÍSTICO!
“O pior não é ter uma alma perversa, mas uma alma acostumada” (Charles Péguy).
“Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (Ap 3,15-16)
A rotina, o costume, nos ameaça. Até o mais santo pode tornar-se o mais vulgar. Isto sucede quando não permitimos ao amor se regenerar a cada dia. Quando, deixando-nos levar pela preguiça, nos tornamos repetitivos, acostumados.
Esta festa do SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO tem uma profunda razão de ser: quer tirar-nos da letargia, da rotina; confrontar-nos com o Mistério capaz de nos maravilhar, de fazer-nos entrar em êxtases.
Jesus não foi um mestre distante, que nos quis ensinar sua doutrina. Jesus se aproxima de nós. Nos fala. Nos lava os pés. Nos toca, para curar-nos. Entrega-nos seu mesmo Corpo e Sangue. A frieza diante Jesus, é frieza elevada à enésima potência. Qualquer gesto repetitivo diante de Jesus é ofensivo. Já o disse Ele: é como atirar as pérolas aos porcos (cf. Mateus 7,6).
O mais importante neste dia, não são os esplendores cerimoniosos: roupas, custódias, procissões, cantos, incensos, autoridades, rituais… o mais importante neste dia é o CORPO E O SANGUE que buscam comover-nos, fazer-nos entrar em um êxtase de amor. Quem experimentar isto sentirá todo o resto.
NÃO SE VIVE SÓ DE PÃO, MAS DE TUDO O QUE SAI DA BOCA DO SENHOR.
O autor do Deuteronômio não tem a menor dificuldade de atribuir a Deus, todos os sofrimentos que padeceram os Israelitas durante seu caminho de 40 anos pelo deserto. Deus era o causador da fome, da sede, das ameaças à vida.
Porém, com que objetivo? “Para que aprendam que não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus”. Deus Pai quer mostrar a seus filhos a arte de viver, como viver em Aliança, como dignificar a vida. Viver em diálogo com Deus é a forma mais sublime de vida humana. Por isso, disse o livro dos Provérbios 3,11-12:
“Meu Filho, não desprezes a correção do Senhor, nem te espantes que ele te repreenda, porque o Senhor castiga a quem ama e pune o filho a quem muito estima“
Porém, o Deus Pai não deixa seu povo morrer de fome e de sede. Por isso, faz surgir água na rocha e lhes dá pão do céu ou maná. Tudo é graça de Deus: a palavra, a água, o pão.
Ele foi levado também pelo Espírito de Deus ao deserto, para ser provado como “FILHO QUERIDO“. Jesus foi um autêntico filho e escutou a voz de Deus e não quis procurar o pão por sua própria conta. Viveu atento à Palavra de Deus.
Nosso irmão maior, Jesus, nos deu uma excelente lição, que poderia resumir-se em:
Não veja no sofrimento e nas dificuldades um castigo, mas uma pedagogia necessária que o Abba e o Espírito utilizam contigo! Não queiras solucionar neste tempo de dificuldades teus problemas! Deixa que venha do céu a água, o pão e a Palavra! Espera que Deus se pronuncie! Depois de uma curta tribulação, todos aprendem a viver de outra maneira.
FORMAMOS UM SÓ CORPO, PORQUE TODOS NÓS COMUNGAMOS DO MESMO PÃO
Pensar que entrar em comunhão com Cristo, com Jesus Ressuscitado e Glorificado, pode parecer ciência-ficção. Algumas pessoas crêem tanto de pés juntos, que nem se espantam, nem se estremecem.
Porém, Paulo teve que interpelar aos Coríntios. Suponho que em suas palavras e em seu rosto se revelava seu amor apaixonado ao Senhor, sua experiência da continuada Presença do Ressuscitado.
“Comunhão com o sangue de Cristo“: esse sangue que se derramou – até a última gota! – no Calvário, era “SANGUE DERRAMADO POR NÓS“.
Aquele sangue não ficou no Calvário, nem na terra do monte Gólgota. Aquele sangue ressuscita misterioso e se faz bebida para o Caminho. Beber o cálice é entrar em comunhão com Jesus que se dá totalmente, sem reservas… até a última gota.
“Comunhão com o Corpo de Cristo“: o corpo de nosso Senhor foi sempre lugar de encontro, fonte de energia que tudo curava, misterioso ponto de partida de todas as suas palavras. O corpo de Jesus – desde o calcanhar até a coroa da cabeça – era um Corpo que conservava as memórias mais sublimes do ser humano e as memórias mais sublimes de Deus. Não há, nem pode haver “tesouro” como esse Corpo. Parece incrível que possamos entrar em comunhão com esse Corpo, já em sua plenitude, em toda sua luminosidade e expressividade… Invadido de vida eterna, esse Corpo nos é dado como pão eucarístico.
Pode haver momento mais feliz, mais extasiante, que o momento da comunhão? Não busquemos logo as conseqüências morais ou moralizantes! Deixemos de uma vez, o “que temos que fazer”, e desfrutemos desta admirável Comunhão.
SE NÃO COMERDES A CARNE DO FILHO DO HOMEM, E NÃO BEBERDES O SEU SANGUE...
Quando Jesus se define como “Filho do homem“, nos dá uma chave para entender suas palavras. Jesus sabia que o título apocalíptico “filho do homem” lhe pertencia. Nesse título se falava de um Messias todo especial. Não um Messias davídico só para Israel, mas um Messias mundial, para todas as nações! Não um Messias capaz de abater a todos os impérios de injustiça com o poder de seus exércitos ou sua espada, mas um Messias “HUMANO“, muito humano, não violento, humilde! Jesus, em lugar de dizer, “eu”, ou “mim”, falava do “FILHO DO HOMEM“.
Bastaria recordar todas as expressões evangélicas em que Jesus se denomina assim, para descobrir a imagem de um Messias servidor, pobre, entregue, enamorado da humanidade e, em especial, dos mais pobres, vítima da violência e perseguido pelas autoridades civis e religiosas.
Por isso, seguir ao Filho do homem não era fácil. Dava medo. Não aos altos postos, mas a situar-se entre “os últimos”. Por isso, quando Jesus convida a comer a Carne do Filho do homem e a beber seu Sangue, para receber sua influência messiânica e ter vida… Comer a carne do Filho do homem não é – e perdoem-me a expressão: “engolir” -, se trata de um processo lento de assimilação. Beber o sangue não quer dizer, tomá-lo de um trago, mas ir bebendo-o gota a gota, até acabar o cálice, para identificar-se com a oblação e entrega do Filho do homem.
Jesus sabe que todo seu ser tem vocação de Corpo e de Corpo que incorpora. Qualquer um de nós pode incorporar-se a Jesus, se Nele e assim o desejar. Só fazendo-nos CONCORPÓREOS e CONSANGUÍNEOS, teremos vida em nós, vida abundante.