
Hoje iniciamos a Quaresma, um tempo sagrado de escuta da Palavra, oração, jejum e caridade, que nos convida à conversão. É um caminho que nos leva, com Jesus, da morte para a vida plena. A celebração das Cinzas marca o início deste período, simbolizando nossa fragilidade e a urgência de revisarmos nossas atitudes. As cinzas nos lembram que a vida é breve e que precisamos voltar-nos para Deus com sinceridade.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, traz o tema “FRATERNIDADE E ECOLOGIA INTEGRAL”, com o lema “DEUS VIU QUE TUDO ERA MUITO BOM” (Gênesis 1,31). Este tema nos desafia a ampliar nosso conceito de fraternidade, incluindo não apenas as relações humanas, mas também o cuidado com a criação. A ecologia integral nos convida a reconciliar-nos com a Terra, reconhecendo que cuidar do planeta é um ato de amor a Deus e aos irmãos.
A liturgia da Quaresma nos oferece textos profundos. A Primeira Leitura (Joel 2,12-18) fala de arrependimento e misericórdia. Joel nos convida a “rasgar o coração, e não as vestes”, mostrando que Deus busca uma transformação interior autêntica, não gestos vazios. Ele promete restauração àqueles que retornam a Ele com sinceridade. Quantas vezes buscamos soluções superficiais para problemas profundos? A Quaresma nos chama a parar e olhar para dentro.
O Evangelho (Mateus 6,1-6.16-18) adverte contra a ostentação. Jesus ensina que a oração, o jejum e a caridade devem ser vividos no silêncio do coração, não para serem vistos pelos outros. Em um mundo que valoriza as aparências, Ele nos convida a uma espiritualidade discreta, mas autêntica. A Quaresma nos desafia a despojar-nos das máscaras e buscar a essência do nosso ser.
A Segunda Leitura (2Coríntios 5,20-6,2) nos lembra que somos embaixadores de Cristo. Paulo exorta: “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação”. Quantas vezes adiamos nossa conversão, pensando que há sempre um amanhã? A Quaresma nos recorda que o momento de mudar é agora. Cada dia é uma oportunidade única de reconciliar-nos com Deus.
Este tempo é um convite a sair da superficialidade e mergulhar na graça. É tempo de silenciar o barulho do mundo e escutar a voz de Deus. De jejuar não apenas de comida, mas de egoísmo, indiferença e vaidade. De praticar a caridade como um estilo de vida que reflete o amor de Cristo.
Que esta Quaresma seja uma verdadeira passagem: da morte do pecado para a vida da graça, da indiferença para o amor, da alienação para a consciência ecológica. Que, ao final desses quarenta dias, possamos celebrar a Páscoa não apenas como uma festa, mas como uma experiência profunda de ressurreição em nossas vidas
Leituras
“Rasgai o vosso coração e não as vossas vestes”. Em um mundo de aparências, Deus nos chama à autenticidade, ao arrependimento sincero que transforma vidas e restaura a esperança. Que este seja o tempo de rasgar as máscaras e voltar-se para Ele.
com jejuns, lágrimas e gemidos;
ele é benigno e compassivo,
paciente e cheio de misericórdia,
inclinado a perdoar o castigo”.
e deixa atrás de si a bênção,
oblação e libação
para o Senhor, vosso Deus?
convocai a assembleia;
reuni anciãos,
ajuntai crianças e lactentes;
deixe o esposo seu aposento,
e a esposa, seu leito.
“Perdoa, Senhor, a teu povo,
e não deixes que esta tua herança sofra infâmia
e que as nações a dominem”.
Por que se haveria de dizer entre os povos:
“Onde está o Deus deles?”
Palavra do Senhor.
“Misericórdia, ó Senhor, pois pecamos”. Em meio às nossas falhas, Teu perdão nos alcança, renovando a esperança e iluminando nossos dias. Que nosso coração quebrantado encontre em Ti a força para recomeçar.
R. Misericórdia, ó Senhor, pois pecamos.
3 Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia! *
Na imensidão de vosso amor, purificai-me!
4 Lavai-me todo inteiro do pecado,
*e apagai completamente a minha culpa! R.
5 Eu reconheço toda a minha iniquidade, *
o meu pecado está sempre à minha frente.
6a Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei, *
pratiquei o que é mau aos vossos olhos! R.
12 Criai em mim um coração que seja puro, *
dai-me de novo um espírito decidido.
13 Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, *
nem retireis de mim o vosso Santo Espírito! R.
14 Dai-me de novo a alegria de ser salvo *
e confirmai-me com espírito generoso!
17 Abri meus lábios, ó Senhor, para cantar, *
e minha boca anunciará vosso louvor! R.
“Reconciliai-vos com Deus. É agora o momento favorável”. No hoje da vida, Ele nos chama à reconciliação, oferecendo graça e perdão. Não adie este encontro; o agora é o tempo de voltar-se para Ele e renascer na esperança.
Em nome de Cristo, nós vos suplicamos:
deixai-vos reconciliar com Deus.
para que nele nós nos tornemos justiça de Deus.
e no dia da salvação, eu te socorri”.
É agora o momento favorável,
é agora o dia da salvação.
Palavra do Senhor.
“E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”. Em um mundo de aparências, Deus contempla o silêncio do coração, valorizando a sinceridade da oração, do jejum e da caridade feitos em segredo. Que nossas ações sejam gestos de amor, não de ostentação.
só para serdes vistos por eles.
Caso contrário, não recebereis a recompensa
do vosso Pai que está nos céus.
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas,
para serem elogiados pelos homens.
Em verdade vos digo:
eles já receberam a sua recompensa.
o que faz a tua mão direita,
te dará a recompensa.
que gostam de rezar em pé,
nas sinagogas e nas esquinas das praças,
para serem vistos pelos homens.
Em verdade vos digo:
eles já receberam a sua recompensa.
e reza ao teu Pai que está oculto.
E o teu Pai, que vê o que está escondido,
te dará a recompensa.
Eles desfiguram o rosto,
para que os homens vejam que estão jejuando.
Em verdade vos digo:
Eles já receberam a sua recompensa.
mas somente teu Pai, que está oculto.
E o teu Pai, que vê o que está escondido,
te dará a recompensa”.
Palavra da Salvação.
Reflexão
CONVERTEI-VOS A MIM

Caríssimos irmãos e irmãs,
Hoje iniciamos a Quaresma, um tempo sagrado que nos convida a uma jornada de regresso a Deus. O profeta Joel nos orienta com um apelo que brota do coração divino: “Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração” (Jl 2,12). Este não é um convite qualquer, mas um chamado urgente, cheio de nostalgia e amor, para que deixemos para trás a indiferença e as desculpas que tantas vezes adiam nosso encontro com o Senhor. Quantas vezes dissemos: “Hoje não posso, amanhã começo”. Mas Deus nos lembra: AGORA É O TEMPO FAVORÁVEL.
A Quaresma é uma viagem que envolve toda a nossa existência. Não se trata de gestos superficiais ou de um “ramalhete espiritual”, mas de um exame profundo do coração. Para onde ele está orientado? Para Deus ou para nós mesmos? Vivemos para agradar ao Senhor ou para buscar aplausos e reconhecimento? Este é o centro da Quaresma: discernir a direção do nosso coração e realinhá-lo com o amor de Deus.
Este caminho é também um êxodo, uma saída da escravidão para a liberdade. Como o povo de Israel no deserto, somos chamados a deixar o “Egito” que carregamos dentro de nós: os apegos doentios, os vícios sedutores, as falsas seguranças do dinheiro e da vaidade. É difícil, sim, mas necessário. Precisamos desmascarar as ilusões que nos paralisam e nos impedem de avançar rumo à terra prometida da graça.
A Palavra de Deus nos oferece exemplos luminosos para essa jornada. Olhemos para o filho pródigo: ele caiu, esqueceu-se do lar, desperdiçou seus bens, mas teve a coragem de voltar ao Pai. E o Pai, com seu abraço de perdão, o levantou. Assim somos nós: filhos que caem, mas que podem sempre contar com o perdão divino. A Confissão é o primeiro passo dessa volta, o abraço que nos coloca de pé novamente.
Também somos convidados a regressar a Jesus, como o leproso curado que voltou para agradecer. Todos temos feridas, vícios e medos que não podemos superar sozinhos. Precisamos da cura de Jesus, da sua misericórdia que nos liberta. Coloquemos diante d’Ele nossas misérias e digamos: “Jesus, estou aqui diante de Vós, com o meu pecado, com as minhas feridas. Vós sois o médico; podeis libertar-me”.
E não nos esqueçamos do Espírito Santo, o Fogo que ressuscita nossas cinzas. As cinzas que recebemos hoje lembram-nos de que somos pó, mas pó enamorado, soprado pelo Espírito de vida. Voltemos a Ele, que nos ensina a amar e a louvar, transformando nossas lamúrias em cânticos de esperança.
Esta viagem de regresso só é possível porque Deus veio ao nosso encontro. Ele desceu até nós, fez-Se pecado e morte por amor. Como diz São Paulo: “Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus O fez pecado por nós” (2Cor 5,21). A Quaresma é, portanto, um tempo de humildade, de reconhecer que precisamos d’Ele. Não são nossas forças que nos salvam, mas a graça de Deus, pura e gratuita.
Ao recebermos as cinzas, inclinamos a cabeça em sinal de humildade. E ao final da Quaresma, nos abaixaremos ainda mais para lavar os pés dos irmãos, seguindo o exemplo de Jesus. A salvação não é uma escalada para a glória, mas um abaixamento por amor. Contemplemos as chagas de Cristo, onde encontramos o refúgio da misericórdia divina. É ali, em nossas fraquezas e vulnerabilidades, que Deus nos espera de braços abertos.
Que esta Quaresma seja, para cada um de nós, um tempo de regresso ao Pai, a Jesus e ao Espírito Santo. Um tempo de cura, de perdão e de renovação. Que as cinzas que recebemos hoje nos lembrem não apenas de nossa fragilidade, mas também da esperança da ressurreição.
Texto: Papa Francisco