O ódio é uma das paixões tão antiga quanto a humanidade, mas sua manifestação moderna nas redes sociais e plataformas digitais trouxe novos desafios éticos e sociais. O Papa Francisco utiliza a expressão “movimentos digitais de ódio” para descrever as formas de agressividade, insultos, difamações e afrontas verbais que são amplificadas pelas plataformas digitais, com o objetivo de desfigurar e destruir a reputação do outro. Esses meios proporcionam um ambiente onde a agressividade social se expande, permitindo que as ideologias percam o respeito e a civilidade (Fratelli Tutti, 43-44). O Papa também alerta para os perigos dos movimentos digitais de ódio, que muitas vezes se apresentam como formas de “ajuda mútua”, mas que, na verdade, fomentam o isolamento, o individualismo e a xenofobia.
No contexto das redes sociais, o ódio é frequentemente utilizado como um instrumento para manter a polarização entre diferentes grupos ideológicos e políticos. Plataformas como YouTube e Twitter veem um aumento no engajamento quando os usuários compartilham conteúdos carregados de ódio, o que incentiva a criação e disseminação de tais mensagens. O Papa Francisco também condena essa prática, afirmando que promover mensagens de ódio na web é uma forma de “cultura do descarte”, que despoja o ser humano de sua dignidade (Mensagem aos participantes da 13ª edição do Festival da Doutrina Social, Verona, 24/11/2023).
Friedrich Nietzsche, em sua “Genealogia da Moral”, entende o ódio como uma manifestação do ressentimento dos fracos contra os fortes, particularmente dos escravos em relação à moralidade de seus senhores. Esse ressentimento, que transforma o ódio em uma força moldadora da moralidade e da cultura, é visto por Nietzsche como uma característica central da moral dos escravos, fundamentada na vingança e na negação dos valores dos fortes. Ele alerta que, na impotência dos fracos, o ódio pode assumir proporções monstruosas e espiritualmente venenosas, um fenômeno que se reflete nas redes sociais, onde indivíduos e grupos marginalizados usam o ódio para se autoafirmar e atacar inimigos ideológicos.
Santo Tomás de Aquino, em sua “Suma Teológica”, no Tratado sobre as paixões, define o ódio como uma paixão da alma que surge instintivamente em resposta ao que é percebido como nocivo ou repugnante, destacando que o amor é a causa do ódio, pois só odiamos o que contraria o bem que amamos. Embora o ódio possa parecer mais forte por sua sensibilidade e imediatismo, Santo Tomás argumenta que o amor é a força primordial e mais poderosa. Mesmo nas redes sociais, onde o ódio parece prevalecer, o impulso pelo bem ainda é mais profundo, embora menos visível.
O Papa Francisco propõe um caminho alternativo ao ódio: a humildade e a ternura. Ele argumenta que estas não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentirem importantes (Evangelii Gaudium, 288). Esse ensinamento é fundamental no contexto atual, onde a comunicação digital muitas vezes incentiva a agressividade e a desumanização do outro. Francisco exorta os cristãos e a sociedade em geral a rejeitarem o ódio e a abraçarem o amor e o respeito mútuo como fundamentos de uma verdadeira fraternidade (Fratelli Tutti, 46.242, 282-284).
O ódio nas redes digitais é um fenômeno complexo, enraizado em emoções humanas profundas e muitas vezes manipulado para servir a agendas políticas e ideológicas. Somos desafiados a rejeitar essa força destrutiva e a buscar uma cultura de amor, respeito e fraternidade. Em última análise, o ódio pode parecer poderoso, mas é o amor que tem o potencial de transformar e unir a humanidade em sua diversidade.
Texto: Dom João Santos Cardoso
Fonte: CNBB