Nesta terceira etapa da caminhada para a Páscoa somos chamados, mais uma vez, a repensar a nossa existência. O tema fundamental da liturgia de hoje é a “CONVERSÃO”. Com este tema enlaça-se o da “libertação”: o Deus libertador propõe-nos a transformação em homens novos, livres da escravidão do egoísmo e do pecado, para que em nós se manifeste a vida em plenitude, a vida de Deus.
O Evangelho (Lc 13,1-9) contém um convite a uma transformação radical da existência, a uma mudança de mentalidade, a um recentrar a vida de forma que Deus e os seus valores passem a ser a nossa prioridade fundamental. Se isso não acontecer, diz Jesus, a nossa vida será cada vez mais controlada pelo egoísmo que leva à morte.
A segunda leitura (1Cor 10,1-6.10.12) avisa-nos que o cumprimento de ritos externos e vazios não é importante; o que é importante é a adesão verdadeira a Deus, a vontade de aceitar a sua proposta de salvação e de viver com Ele numa comunhão íntima.
A primeira leitura (Ex 3,1-8a.13-15) fala-nos do Deus que não suporta as injustiças e as arbitrariedades e que está sempre presente naqueles que lutam pela libertação. É esse Deus libertador que exige de nós uma luta permanente contra tudo aquilo que nos escraviza e que impede a manifestação da vida plena.
Leituras
A humanidade geme, hoje, num violento esforço de libertação política, cultural e econômica: os povos lutam para se libertarem do colonialismo, do imperialismo, das ditaduras; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os marginalizados lutam pelo direito à integração plena na sociedade; os operários lutam pela defesa dos seus direitos e do seu trabalho; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade… Convém termos consciência que, lá onde alguém está lutando por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus que vive com paixão o sofrimento dos explorados
e que não fica de braços cruzados diante das injustiças.
Naqueles dias:
1Moisés apascentava o rebanho de Jetro, seu sogro,
sacerdote de Madiã.
Levou um dia, o rebanho deserto adentro
e chegou ao monte de Deus, o Horeb.
2Apareceu-lhe o anjo do Senhor numa chama de fogo,
do meio de uma sarça.
Moisés notou que a sarça estava em chamas,
mas não se consumia, e disse consigo:
3‘Vou aproximar-se desta visão extraordinária,
para ver porque a sarça não se consome’.
4O Senhor viu que Moisés se aproximava para observar
e chamou-o do meio da sarça, dizendo: ‘Moisés! Moisés!’
Ele respondeu: ‘Aqui estou’.
5E Deus disse: ‘Não te aproximes!
Tira as sandálias dos pés,
porque o lugar onde estás é uma terra santa’.
6E acrescentou:
‘Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão,
o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’.
Moisés cobriu o rosto, pois temia olhar para Deus.
7E o Senhor lhe disse: ‘Eu vi a aflição do meu povo
que está no Egito e ouvi o seu clamor
por causa da dureza de seus opressores.
Sim, conheço os seus sofrimentos.
8aDesci para libertá-los das mãos dos egípcios,
e fazê-los sair daquele país
para uma terra boa e espaçosa,
uma terra onde corre leite e mel.
13Moisés disse a Deus:
‘Sim, eu irei aos filhos de Israel e lhes direi:
‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.
Mas, se eles perguntarem:
‘Qual é o seu nome?’ o que lhes devo responder?’
14Deus disse a Moisés:
‘Eu Sou aquele que sou’. E acrescentou:
‘Assim responderás aos filhos de Israel:
‘Eu sou enviou-me a vós’ ‘.
15E Deus disse ainda a Moisés:
‘Assim dirás aos filhos de Israel:
‘O Senhor, o Deus de vossos pais,
o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó,
enviou-me a vós’.
Este é o meu nome para sempre,
e assim serei lembrado de geração em geração.
Palavra do Senhor.
R. O Senhor é bondoso e compassivo.
1Bendize, ó minha alma, ao Senhor,*
e todo o meu ser, seu santo nome!
2Bendize, ó minha alma, ao Senhor,*
não te esqueças de nenhum de seus favores! R.
3Pois ele te perdoa toda culpa,*
e cura toda a tua enfermidade;
4da sepultura ele salva a tua vida*
e te cerca de carinho e compaixão. R.
6O Senhor realiza obras de justiça *
e garante o direito aos oprimidos;
7revelou os seus caminhos a Moisés, *
e aos filhos de Israel, seus grandes feitos. R.
8O Senhor é indulgente, é favorável,*
é paciente, é bondoso e compassivo.
11Quanto os céus por sobre a terra se elevam*
tanto é grande o seu amor aos que o temem. R.
O que é essencial na nossa vivência cristã? O cumprimento de ritos externos que nos marcam como cristãos aos olhos do mundo (ou dos nossos superiores)? Ou é uma vida de comunhão com Deus, vivida com coerência e verdade, que depois se transforma em gestos de amor e de partilha com os nossos irmãos? O que é que condiciona as minhas atitudes:
o “parecer bem” ou o “ser” de verdade?
1Irmãos, não quero que ignoreis o seguinte:
Os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem
e todos passaram pelo mar;
2todos foram batizados em Moisés,
sob a nuvem e pelo mar;
3e todos comeram do mesmo alimento espiritual,
4e todos beberam da mesma bebida espiritual;
de fato, bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava
– e esse rochedo era Cristo -.
5No entanto, a maior parte deles desagradou a Deus,
pois morreram e ficaram no deserto.
6Esses fatos aconteceram para serem exemplos para nós,
a fim de que não desejemos coisas más,
como fizeram aqueles no deserto.
10Não murmureis, como alguns deles murmuraram,
e, por isso, foram mortos pelo anjo exterminador.
12Portanto, quem julga estar de pé
tome cuidado para não cair.
Palavra do Senhor.
A proposta principal que Jesus apresenta neste episódio chama-se “CONVERSÃO” (“metanoia”). Não se trata de penitência externa, ou de um simples arrependimento dos pecados; trata-se de um convite à mudança radical, à reformulação total da vida, da mentalidade, das atitudes, de forma que Deus e os seus valores passem a estar em primeiro lugar. É este caminho para qual o somos chamados a percorrer neste tempo, a fim de renascermos, com Jesus, para a vida nova do Homem Novo. Concretamente, no que a minha mentalidade deve mudar? Quais são os valores que eu dou prioridade e que
me afastam de Deus e das suas propostas?
1Naquele tempo, vieram algumas pessoas
trazendo notícias a Jesus
a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado,
misturando seu sangue com o dos sacrifícios que
ofereciam.
2Jesus lhes respondeu:
‘Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus,
por terem sofrido tal coisa?
3Eu vos digo que não.
Mas se vós não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo.
4E aqueles dezoito que morreram,
quando a torre de Siloé caiu sobre eles?
Pensais que eram mais culpados
do que todos os outros moradores de Jerusalém?
5Eu vos digo que não.
Mas, se não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo.’
6E Jesus contou esta parábola:
‘Certo homem tinha uma figueira
plantada na sua vinha.
Foi até ela procurar figos e não encontrou.
7Então disse ao vinhateiro:
‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta
figueira e nada encontro.
Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’
8Ele, porém, respondeu:
‘Senhor, deixa a figueira ainda este ano.
Vou cavar em volta dela e colocar adubo.
9Pode ser que venha a dar fruto.
Se não der, então tu a cortarás.’
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
É URGENTE CONVERTER-SE
Começamos a nossa reflexão a partir da frase central do Evangelho de hoje: “Mas se vós não vos converterdes,ireis morrer todos do mesmo modo“. Tem um tom de ameaça, ou de urgência, ou pelo menos de um aviso sério. A vida inteira não seria suficiente para a “conversão“, é uma tarefa permanente, diária e sem fim. Mas no meio da Quaresma, ele quer incentivar-nos a fazer um esforço mais sério. Mas o que devemos entender por “CONVERSÃO“?
- CONVERTER-SE não equivale a fazer uma “confissão geral“, embora isto possa ser uma coisa boa. Também não deve ser confundido com um esforço para corrigir algum defeito ou pecado particular, ou para nos colocar em ordem com as nossas obrigações como cristãos, talvez um pouco enfraquecidos. A palavra “CONVERSÃO” refere-se a um ponto de mudança, uma transformação pessoal, uma reviravolta nas nossas vidas. Converter-se é ser transformado (transformado por Deus) em algo diferente. É um apelo urgente a ser “diferente”, e dar ao Senhor os frutos que ele gostaria de encontrar em cada um de nós e na comunidade cristã e eclesial.
- Converter-se não é um esforço para evitar o abismo, mas para nos lançar na conquista do topo.
- Converter-se não é chorar sobre o passado, mas um regresso ao esforço diário, apesar das quedas e desilusões.
- Converter-se não é dizer NÃO ao passado que não posso mudar, mas dizer SIM à nova vida que hoje é oferecida, dizer Sim a Ele e àqueles que acreditam em mim e contam comigo apesar de tudo.
- Converter-se não é olhar com angústia e impotência para as correntes que não me deixam mover, mas lutar para quebrar as correntes que paralisam a minha inteligência e o meu coração.
- Converter-se é acolher o amor e a esperança nos olhos e no coração, é colocar a vida e o amor onde só há morte e vazio.
- Converter-se é crer, de uma vez por todas e de verdade, em mim, em Deus, nos outros, na riqueza da vida e do amor. (Josep Codina i Farrés)
A conversão é um convite para se parecer mais como Deus. Ou como diz Xavier Quinzá: Se trata de “mudar Deus” e descobrir um Deus diferente, mais parecido com o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo. Uma mudança em que nos é oferecida uma nova forma de nos relacionarmos como Deus terno, clemente e misericordioso.
Embora afirmemos no Credo que “cremos em um só Deus“… entre nós existem muitas rostos diferentes de Deus. E nem todos são corretos ou convergentes, e nem todos são realmente o Deus de Jesus. Por exemplo: No Evangelho de hoje Jesus encontra uma característica que distorce o verdadeiro rosto de Deus. É essa mentalidade supersticiosa e mágica que atribui a Deus tudo o que acontece no mundo, e o interpreta à sua maneira: acidentes, curas, crimes, doenças, catástrofes naturais, etc. O Papa Francisco explicou:
Jesus conhece a mentalidade supersticiosa dos seus e sabe que eles interpretam aquele tipo de acontecimento de modo errado. Com efeito, pensam que se aqueles homens morreram de maneira tão cruel, é sinal de que Deus os castigou por alguma culpa grave que tinham cometido; seria como dizer: «mereceram». E ao contrário o fato de terem sido poupados à desgraça equivalia a sentir-se «sem pecado». Eles «mereceram»; eu «não tenho faltas». Jesus rejeita decididamente esta visão, porque Deus não permite as tragédias para punir as culpas, e afirma que aquelas pobres vítimas não eram minimamente piores que os outros. Antes, Ele convida a ver nestes fatos dolorosos uma admoestação que diz respeito a todos, porque todos somos pecadores; com efeito, ele dizia a quantos o tinham interpelado: «Se não vos converterdes, morrereis todos do mesmo modo» (v. 3).
ENTÃO, COMO É DEUS?
A primeira leitura nos apresentou uma história muito significativa para o povo de Israel. Trata-se do “cartão de visita” de apresentação de Deus a Moisés, quando tanto ele como o seu povo mal o conhecem. Moisés disse a Deus: Mas, se eles perguntarem: “Qual é o seu nome?” o que lhes devo responder? Deus dá uma resposta bastante enigmática: “Eu Sou aquele que sou”. Muito tem sido escrito sobre esta resposta de Deus, e muitas interpretações têm sido oferecidas. Onde podemos nos voltar melhor é para o próprio povo judeu que narrou esta cena da sarça. Esse povo não está acostumado a fazer filosofias ou raciocínios complicados como fazemos nós ocidentais de cultura greco-romana. Eles são bastante “vital”, e preferem falar de “experiências“.
E assim nos explicam que nunca conheceremos Deus plenamente, nunca poderemos manipulá-lo, nunca poderemos dar uma definição completa dele. É por isso que eles nem sequer pronunciam o seu NOME. Em outras palavras: Deus é maior do que todos os nossos conceitos, explicações, definições e pesquisas filosóficas. Não podemos prendê-lo nos nossos catecismos e dogmas. Devemos estar sempre prontos para corrigir as nossas ideias a seu respeito, como já dissemos.
Conheceremos melhor Deus ao longo caminho, ao longo da rota dos nossos desertos, ao longo de toda a nossa vida! Vamos conhecê-lo e experimentá-lo pouco a pouco, escutando, obedecendo, orando, confiando e pondo em prática as Suas exigências… De fato, se quiséssemos explicar “quem Deus é para mim“, teríamos de rever a nossa vida, porque a minha experiência e conhecimento de Deus muda comigo, com o que estou vivendo, sofrendo, experimentando, desfrutando, nas escolhas em todos os dias da minha vida. À medida que muda o mundo, o mesmo acontece com as minhas percepções dos outros.
Mas antes de revelar o seu “NOME” a Moisés, ele falou na primeira pessoa, com uma série de verbos importantes que (auto) descrevem como este Deus é e como ele age:
- Vi a opressão
- Ouvi as suas queixas
- Conheço os seus sofrimentos
- Desci para liberta-lo
- Para tirá-lo desta terra e conduzi-lo…
Portanto, se quisermos assemelhar-nos a Deus (converter), podemos começar com estes verbos: ver, ouvir, conhecer o sofrimento do povo, libertar, levar para a “TERRA SEGURA“… É uma questão de nos aproximarmos do mundo, de tantas pessoas que são importantes para Deus hoje, e de nos deixarmos “afetar” e “descer” até elas. Não creio que haja necessidade de enumerar tantas situações de violência, angústia, injustiça, guerra, solidão… como ocorrem em todo o mundo, longe e perto de nós. E hoje, como antes, Deus irá procurar aqueles que irão em seu nome, e irá ajudá-los, como o fez antes e faz sempre.
Parafraseando São Paulo na segunda leitura de hoje, poderíamos dizer: fomos todos batizados, todos nos chamamos “POVO DE DEUS“, todos comemos o pão da Eucaristia, todos rezamos, todos nós… Mais a maioria de nós não agrada a Deus. Quem se sentir seguro, cuide de si próprio. Ou seja: cuidado em pensar ou acreditar que ao participar em certos ritos e ter certas crenças religiosas, tudo já está resolvido. Como Igreja e como indivíduos, o apelo à conversão significa “AGRADAR A DEUS“…
A nossa vida é frágil, limitada, não está em nossas mãos, vemos quantos a perdem inesperadamente todos os dias… deveria ser um convite urgente a não deixar para amanhã (não sabemos o que isso trará) o compromisso de dar frutos. Temos “mais um ano” para cultivar… Quando o Senhor procurar entre os nossos ramos, que ele encontre pelo menos alguns frutos e não apenas folhas, aparências, boas intenções… Frutos de compaixão, de solidariedade, de justiça, de libertação. Os nossos “frutos” serão aqueles que podem ser úteis… para os outros.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda