A liturgia deste domingo apresenta-nos essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da ressurreição.
Na primeira leitura (At 4,32-35) temos, numa das “fotografias” que Lucas apresenta da comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma comunidade formada por pessoas diversas, mas que vivem a mesma fé num só coração e numa só alma; é uma comunidade que manifesta o seu amor fraterno em gestos concretos de partilha e de dom e que, dessa forma, TESTEMUNHA JESUS RESSUSCITADO.
No Evangelho (Jo 20,19-31) sobressai a ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.
A segunda leitura (1Jo 5,1-6) recorda aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro crente é aquele que ama Deus, que adere a Jesus Cristo e à proposta de salvação que, através d’Ele, o Pai faz aos homens e que vive no amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a família de Deus.
Leituras
Ninguém considerava como próprias as coisas que
possuía, mas tudo entre eles era posto em comum.
33Com grandes sinais de poder,
os apóstolos davam testemunho
da ressurreição do Senhor Jesus.
E os fiéis eram estimados por todos.
34Entre eles ninguém passava necessidade,
pois aqueles que possuíam terras ou casas,
vendiam-nas, levavam o dinheiro,
35e o colocavam aos pés dos apóstolos.
Depois, era distribuído
conforme a necessidade de cada um.
Palavra do Senhor.
R. Dai graças ao Senhor, porque ele é bom;
eterna é a sua misericórdia!’
2A casa de Israel agora o diga:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’
3A casa de Aarão agora o diga:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’
4Os que temem o Senhor agora o digam:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’R.
16aA mão direita do Senhor fez maravilhas,
16ba mão direita do Senhor me levantou,*
a mão direita do Senhor fez maravilhas!’
17Não morrerei, mas ao contrário, viverei*
para cantar as grandes obras do Senhor!*
18O Senhor severamente me provou,*
mas não me abandonou às mãos da morte.R.
22‘A pedra que os pedreiros rejeitaram,*
tornou-se agora a pedra angular.
23Pelo Senhor é que foi feito tudo isso:*
Que maravilhas ele fez a nossos olhos!
24Este é o dia que o Senhor fez para nós,*
alegremo-nos e nele exultemos!R.
Caríssimos:
1Todo o que crê que Jesus é o Cristo,
nasceu de Deus,
e quem ama aquele que gerou alguém,
amará também aquele que dele nasceu.
2Podemos saber que amamos os filhos de Deus,
quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos.
3Pois isto é amar a Deus:
observar os seus mandamentos.
E os seus mandamentos não são pesados,
4pois todo o que nasceu de Deus vence o mundo.
E esta é a vitória que venceu o mundo:
a nossa fé.
5Quem é o vencedor do mundo,
senão aquele que crê
que Jesus é o Filho de Deus?
6Este é o que veio pela água e pelo sangue:
Jesus Cristo.
(Não veio somente com a água,
mas com a água e o sangue).
E o Espírito é que dá testemunho,
porque o Espírito é a Verdade.
Palavra do Senhor.
estando fechadas, por medo dos judeus,
as portas do lugar onde os discípulos se encontravam,
Jesus entrou e pondo-se no meio deles,
disse: ‘A paz esteja convosco’.
20Depois destas palavras,
mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos se alegraram
por verem o Senhor.
21Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco.
Como o Pai me enviou, também eu vos envio’.
22E depois de ter dito isto,
soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo.
23A quem perdoardes os pecados
eles lhes serão perdoados;
a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos’.
24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze,
não estava com eles quando Jesus veio.
25Os outros discípulos contaram-lhe depois:
‘Vimos o Senhor!’. Mas Tomé disse-lhes:
‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos,
se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos
e não puser a mão no seu lado, não acreditarei’.
26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos
novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles.
Estando fechadas as portas, Jesus entrou,
pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’.
27Depois disse a Tomé:
‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos.
Estende a tua mão e coloca-a no meu lado.
E não sejas incrédulo, mas fiel’.
28Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’
29Jesus lhe disse: ‘Acreditaste, porque me viste?
Bem-aventurados os que creram sem terem visto!’
30Jesus realizou muitos outros sinais
diante dos discípulos,
que não estão escritos neste livro.
31Mas estes foram escritos para que acrediteis que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,
e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
A COMUNIDADE QUE PRECISA DE TOMÉ
O tema central deste segundo domingo de Páscoa é, antes de tudo, COMUNIDADE. O Evangelho ajuda-nos a descobrir o que é uma Comunidade que NÃO tem Jesus de Nazaré no centro, até que ele “APAREÇA” e tome o seu lugar (“FICA NO MEIO“) e que consequências tem para todos. E o que acontece quando nessa Comunidade há um irmão que, mesmo desejando, não experimentou um encontro pessoal com o Ressuscitado e vive rodeado de dúvidas.
Quando o Ressuscitado não se coloca “NO MEIO” da nossa vida, vivemos com a alma fechada, tentando nos defender o melhor que podemos dos nossos próprios medos e culpas, construindo muros de proteção, desconfiando até dos mais próximos de nós, guardarmos o que sonhamos dentro de nós, dói-nos, precisamos, as nossas frustrações… Fechamos portas, colocamos ferrolhos e ficamos calados. Tomás era assim.
Quão solitários e quão maus somos quando nos falta o Ressuscitado, quando não o sentimos, quando não o encontramos enquanto outros o fazem. Não há palavras para nos consolar. Eles podem nos dizer: Você confia em Deus, você ora, você pede, você se aproxima aos sacramentos… Mas sem resultados.
E por ser uma comunidade cristã… o Senhor está necessariamente no meio. Pode haver celebrações solenes, palestras e atividades… porém quando há lutas de poder, divisões, ou mais preocupação com a ordem e ortodoxia do que com a experiência de FÉ e de AMOR, (segunda leitura), as relações fraternas não são muito fraternas , ou simplesmente pouco; quando há pouco espaço para a novidade… O Espírito é sempre construtor de novidades, mas quando falta Espírito, quando não está o Ressuscitado… estamos como mortos. Ou quando os pobres, os que sofrem, ou os que “não estão” não preocupam muito… NÃO PODEMOS FALAR DA COMUNIDADE DOS RESSUSCITADOS. O evangelista falou que havia MEDO.
Muito da atividade em nosso mundo, muito do nosso ativismo vem para fugir do relacionamento, você tem medo de se encontrar com os outros, você tem medo de realmente se encontrar com os outros, você tem medo de se sentir responsável pelos outros, você tem medo de compartilhar suas próprias fraquezas e de se tornarem interdependentes uns dos outros. E é por isso que a pessoa se fecha dentro de si mesma. (Jean Vanier – filósofo, teólogo e humanitário canadiano)
Diante do desespero e do medo, é fácil cair na tentação da nostalgia: outros padres, outros grupos, outros papas, outras tempos. E fechar-se na memória ou tentar esquecer tudo, como Pedro – diz o Evangelho – que vai pescar para se divertir. Embora ele não pegue nada. Ou os de Emaús, que deixam tudo para trás, vão embora confusos e desanimados. Eles se retiram da comunidade. Não é difícil, portanto, compreender e sentir-se identificado com esse Tomé, apelidado de Gêmeo.
Quando o quarto Evangelho é escrito, por volta do ano 100, as “aparições pascais” cessaram. E a fé não podia depender de uma experiência como essas, que, por outro lado, muitos não tiveram. Essa comunidade, imersa em uma cultura filosófica grega que exigia checagens, raciocínios, evidências e evidências, não podia simplesmente convidar a “acreditar” porque outros o diziam. Em vez disso, isso pode ser chamado de “credulidade” ou o que costumava ser chamado de “fé do carvoeiro”.
Essa situação não é muito diferente da nossa: não basta “ACREDITAR” porque os outros nos dizem ou os Evangelhos nos dizem. Mas também não podemos fornecer evidências conclusivas sobre o evento da Ressurreição de Jesus.
Por outro lado, é necessária uma “CONFIANÇA” mínima na veracidade do que nos diz a comunidade cristã (o seu testemunho). E por outro lado, precisamos de uma experiência pessoal de que o Ressuscitado está vivo e afeta a minha vida. Como é isto?
Se a desconfiança e descrença ou rejeição forem meu ponto de partida… é altamente improvável que eu chegue à fé. Algumas vezes isso aconteceu em nossa história. Por isso, mais do que palavras, torna-se indispensável o testemunho de vida dos atuais seguidores de Jesus, de como vivem, TRANSFORMADOS PELA PRESENÇA DO SENHOR RESSUSCITADO. As leituras de hoje nos oferecem pistas importantes sobre como deveria ser a Comunidade do Ressuscitado:
- A aproximação dos “feridos” e crucificados de hoje, “TOCANDO SUAS FERIDAS” nos sofredores e crucificados de hoje. Que o Papa chama de Igreja “hospital de campanha“, “Igreja Samaritana“, Igreja que vai buscar os rejeitados.
- Uma Igreja comunidade de irmãos que compartilham e distribuem o que possuem e se amam. O livro dos Atos dos Apóstolos explica isso suficientemente.
- Uma Igreja «misericordiosa» que quer, procura e sabe reconciliar e perdoar; que coloca a compaixão e a misericórdia acima das leis e a serviço das pessoas.
- Igreja instrumento de paz (Francisco de Assis), que sabe dialogar, acolher, compreender, acompanhar, estar presente nos conflitos para construir pontes.
- Uma Igreja que não se fecha, que vai para as periferias, que coloca o Senhor no centro, e não ela mesma; que foge do clericalismo para ser Povo de Deus, comunidade fraterna de serviço recíproco. Uma Igreja corajosa, na qual não faltam mártires.
Quando alguém busca o Senhor… é o melhor (o único) que podemos oferecer: “Isso é o que o Senhor faz conosco”. Documentos, discursos ou catecismos são de pouca utilidade, nem sequer a leitura da Bíblia. Tudo isso virá mais tarde. Antes é… permitir que o Senhor me transforme, mude minha vida, me perdoe, me pacifique, me comprometa no serviço aos mais necessitados. Que seja realmente “meu Senhor e meu Deus“.
E é por isso que a Igreja deve esforçar-se, melhorar, converter-se, purificar-se, adaptar-se e mudar para oferecer estes “CAMINHOS” da fé e responder aos desafios de hoje. Não há fé sem comunidade de testemunhas. Não há fé sem compromisso pessoal de entrega. Não há fé sem encontro pessoal com o Ressuscitado.
Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf
Imagem de Vicki Nunn em PIXABAY
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)