O ano vai acabando com tristezas e alegrias. Partiu a fantástica escritora e acadêmica Nélida Piñon. Além de mulher de letras inspirada e fecunda, foi a primeira a presidir a Academia Brasileira de Letras e até hoje mantinha intensa atividade no mundo da cultura brasileira e também ibérica. A conexão entre sua Espanha Natal e o Brasil era um ponto constante e importante de sua agenda.
Além disso, Nélida constituía uma quase unanimidade. Jamais encontrei alguém que não a admirasse e estimasse. Doce, próxima, alegre, presença agradabilíssima e enriquecedora em qualquer ambiente, tinha uma incontável legião de amigos e admiradores. Partiu inesperadamente, em Lisboa, onde se encontrava. E deixa um vazio grande em termos humanos e literários.
Fica conosco o legado de sua alegria e esperança. Nélida já havia tido um encontro próximo com a morte há alguns anos. Felizmente o diagnóstico que lhe foi dado não se concretizou e pudemos contar com ela novamente entre nós por mais tempo. Desde aí, segundo seu próprio testemunho, passou a ver a vida de outra maneira e por outro ângulo. E isso a fez ainda mais profunda e adorável.
Mas esse fim de ano também celebra chegadas. Uma delas aconteceu ontem. A tão esperada Copa do Mundo voltou para as mãos da América Latina após vinte anos. A orquestra do time albiceleste foi dirigida com genialidade pelo maestro Leonel Messi, que também traz consigo a marca da unanimidade. Não há quem não admire seu talento, sua força em campo. Sobretudo admirável é sua capacidade de unir o time e fazê-lo trabalhar como realmente uma equipe.
Messi não faz questão de “assinar” seus gols. Com tranquilidade e alegria leva a bola aos pés dos companheiros para que eles finalizem a jogada. Consola um, anima outro, insiste no esforço. Traz em si, além do talento do jogador e da disciplina do atleta, a marca do verdadeiro líder. A equipe por ele capitaneada teve um belo desempenho e mereceu a taça que levantou após longo jejum. Parabéns, Argentina!
Tomara que a chegada dessa vitória entre tantas derrotas do país da albiceleste, assim como de todo o continente, nos deixe algumas lições. A primeira seria o desprendimento que exige trabalhar em equipe. Não importa quem marca o gol, importa que o gol seja marcado ainda que não por mim e a equipe triunfe. Importa a união que faz realmente a força, como diz o ditado popular. A combalida e fragmentada Argentina, dividida em polarizações várias, com a inflação pelas alturas, que luta por maior justiça e paz, hoje canta feliz com a vitória da sua seleção. Que a beleza desse triunfo possa se refletir na sociedade do país vizinho.
Quanto a nós, vizinhos mais ao norte, temos também lições a levar para casa após esta Copa do Qatar. Esqueçamos por um momento a tradicional rivalidade em campo entre os dois países. Após a sofrida derrota nas quartas de final, o Brasil poderia aprender bastante com a seleção do país ao sul. Espera-se para o futuro uma seleção mais focada em disciplina e desempenho, sem tanta frivolidade. Queremos atletas e não celebridades. Não se pretende aqui generalizar injustamente, apenas apontar algo que apareceu desta vez e que seria bom que mudasse para o futuro próximo.
O mesmo acontece em nível do país. Neste momento de transição de governos, onde as disputas por cargos se veem ferozes e devoradoras. A impressão é de que o que menos importa é o bem do país e a integração de forças para conseguir reconstruí-lo. Interesses individuais e partidários se atravessam no caminho daquilo que poderia ser uma bela e rica reconstrução nacional. Não importa quem faz que gol. Importa que o placar seja cheio de gols diversos e convergentes para um futuro promissor.
A grande chegada deste período ocorrerá, porém, daqui a alguns dias. Temos vivido sua espera, sua preparação, e, sobretudo seu ardente desejo. Vamos celebrar o Natal que nos diz que quando nem nós acreditamos mais em nós mesmos, Deus continua apostando nessa humanidade torta, mas ao mesmo tempo tão bela que somos e que sai constantemente de Suas mãos.
O Menino vai chegar. Belo. Como diz João Cabral de Melo Neto:
“… tão belo como um sim/numa sala negativa…/… Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia/ é tão belo como as ondas em sua adição infinita./ Ou como o caderno novo/ quando a gente o principia./…E belo porque o novo/ todo o velho contagia…Belo porque corrompe/com sangue novo a anemia./…Infecciona a miséria/com vida nova e sadia.”
Texto: MARIA CLARA BINGEMER, é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
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