
A liturgia deste domingo ensina-nos que Deus tem um “FRACO” pelos humildes e pelos pobres, pelos marginalizados; e que são estes, no seu despojamento, na sua humildade, na sua finitude (e até no seu pecado), que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher o dom de Deus.
A primeira leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a) define Deus como um “JUIZ JUSTO”, que não se deixa subornar pelas ofertas desses poderosos que praticam injustiças na comunidade; em contrapartida, esse Deus justo ama os humildes e escuta as suas súplicas.
O Evangelho (Lc 18,9-14) define a atitude correta que o crente deve assumir diante de Deus. Recusa a atitude dos orgulhosos e autossuficientes, convencidos de que a salvação é o resultado natural dos seus méritos; e propõe a atitude humilde de um pecador, que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus. É essa atitude de “POBRE” que Lucas propõe aos crentes do seu tempo e de todos os tempos.
Na segunda leitura (2Tm 4,6-8.16-18), temos um convite a viver o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo – a exemplo de Paulo. A leitura foge, um pouco, ao tema geral deste domingo; contudo, podemos dizer que Paulo foi um bom exemplo dessa atitude que o Evangelho propõe: ELE CONFIOU, não nos seus méritos, mas na misericórdia de Deus, que justifica e salva todos os homens que a acolhem.
Leituras
A oração do pobre e do desvalido chega sempre aos ouvidos de Deus… Deus não vira, nunca, as costas a quem chama por Ele e vê n’Ele a esperança e a salvação. Isto é algo que eu devo ter sempre presente, nomeadamente nos momentos mais dramáticos da minha existência, quando tudo cai à minha volta. A Palavra de Deus que hoje nos é oferecida garante-nos: Deus escuta a oração do pobre (e, no contexto bíblico, dizer que “escuta” significa dizer que Ele se prepara para intervir e para trazer
àquele que sofre a libertação e a vida).
e não descansará até que o Altíssimo intervenha,
Minha alma se gloria no Senhor;
que ouçam os humildes e se alegrem!
o Senhor liberta a vida dos seus servos.
2 Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo,*
seu louvor estará sempre em minha boca.
3 Minha alma se gloria no Senhor;*
que ouçam os humildes e se alegrem! R.
17 mas ele volta a sua face contra os maus,*
para da terra apagar sua lembrança.
18 Clamam os justos, e o Senhor bondoso escuta*
e de todas as angústias os liberta. R.
19 Do coração atribulado ele está perto*
e conforta os de espírito abatido.
23 Mas o Senhor liberta a vida dos seus servos,*
e castigado não será quem nele espera. R.
O caminho que Paulo percorreu continua a não ser um caminho fácil. Hoje, como ontem, descobrir Jesus e viver de forma coerente o compromisso cristão implica percorrer um caminho de renúncia a valores a que os homens dos nossos dias dão uma importância fundamental; implica ser incompreendido e, algumas vezes, maltratado; implica ser olhado com desconfiança e, algumas vezes, com comiseração… Contudo, à luz do testemunho de Paulo, o caminho cristão vivido com radicalidade é um caminho que vale a pena, pois conduz à vida plena. Concordo? É este o caminho que eu me esforço por percorrer?
aproxima-se o momento de minha partida.
guardei a fé.
e não somente a mim,
mas também a todos que esperam com amor
a sua manifestação gloriosa.
Oxalá que não lhes seja levado em conta.
fosse anunciada por mim integralmente,
e ouvida por todas as nações;
e eu fui libertado da boca do leão.
A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.
Palavra do Senhor.
A atitude de orgulho e de autossuficiência, a certeza de possuir qualidades e méritos em abundância, acaba por gerar o desprezo pelos irmãos. Então, criam-se barreiras de separação (de um lado os “bons”, de outro os “maus”), que provocam segregação e exclusão… Isto acontece com alguma frequência nas nossas comunidades cristãs (e até em muitas comunidades religiosas).
Como entender isto, à luz da parábola que Jesus hoje nos propõe?
e desprezavam os outros:
porque não sou como os outros homens,
ladrões, desonestos, adúlteros,
nem como este cobrador de impostos.
mas batia no peito, dizendo:
‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’
Pois quem se eleva será humilhado,
e quem se humilha será elevado”.
Palavra da Salvação.
Reflexão
DUAS PESSOAS ORANTES MUITO DIFERENTES

O Senhor não faz milagres com aqueles que pensam que são justos, mas com aqueles que reconhecem que estão em necessidade e estão prontos para abrir seus corações para Ele (Papa Francisco).
Se tentássemos nos identificar com um dos dois protagonistas deste relato, poucos (provavelmente nenhum) se sentiriam reconhecidos, seja no fariseu ou no cobrador de impostos. Em outras palavras, nem justos em todas as coisas, nem pecadores em todas as coisas. A maioria de nós tem um pouco de um e um pouco do outro. Aqui Jesus apresenta-os vindo ao Templo, com duas formas muito diferentes de se apresentarem diante de Deus.
A primeira coisa que se destaca é que ambos vão ao Templo para orar. Para eles o encontro com Deus é uma necessidade; mesmo que um deles reconheça que está “endividado” com Deus, um pecador, indigno. Sua necessidade de orar não desaparece por causa disso. Se entendemos a fé como uma experiência de encontro com Deus, como uma troca de afeto e de palavras entre Deus e eu… é impossível ter fé se esses momentos a sós com aquele que sabemos que nos ama, como dizia Santa Teresa, estão faltando. Além disso, quanto mais amadurece a fé… mais necessária e frequente se torna a oração. E o oposto também é verdade: quanto mais escassa e rotineira é nossa oração… mais nossa fé se desvanece.
Quanto ao local de oração… Já sabemos que podemos orar em qualquer lugar e a qualquer momento: na natureza, na rua, enquanto viajamos no carro ou trem, na sala de estar em casa… Mas a experiência nos diz que precisamos de meios, símbolos, silêncio, um tempo suficientemente longo sem distrações, uma lembrança que favoreça o encontro com Deus. E isto não é o mesmo em todos os lugares. Não podemos fazer nossos momentos de oração depender da possibilidade de nos aproximarmos de uma igreja ou capela. O fariseu e o cobrador de impostos certamente rezavam em outros momentos e lugares, esse era o costume judaico. Porém… Eles também se aproximam do Templo.
A quem cada um dirige sua oração? Cada um deles tem uma imagem diferente, uma ideia diferente de Deus, apesar de ambos serem judeus. O fariseu parece estar se dirigindo a Deus, mas ele está realmente falando consigo mesmo: ele é o centro de sua oração, ele toma toda a iniciativa e Deus tem que permanecer em silêncio… Quanta conversa e quanto esforço para tornar Deus consciente de sua vida, como se Deus não soubesse! Sua oração (se você pode chamá-la assim) está centrada em como ele está orgulhoso de tudo o que conseguiu, através de muito esforço e sacrifício. Tudo o que ele diz é verdade, Jesus não o acusa de ser um hipócrita ou um mentiroso. Não há razão para duvidar que ele tenha tal lista de “méritos”: jejum, esmola, frequência ao Templo, liturgias… Porém parece que Deus só tem que tomar nota e agradecer a Ele. Nem uma petição ou súplica, nem uma intercessão, nem uma ação de graças a Deus, nem uma…
O fariseu terminará sua oração tão calmamente, tão contente, como entrou… sem que nada tenha mudado nele. Uma oração na qual sua vida diária e social é excluída, não há nada para melhorar ou corrigir, nada e ninguém com quem se comprometer.
Os outros estão presentes apenas para serem desqualificá-los após julgá-los e, no final, desprezá-los. E ele está certo em seu julgamento: aquele atrás dele que ele olha de canto do olho e à distância é um pecador público. Mas seu encontro com Deus não o faz sentir qualquer mal-estar para se aproximar dele, para compreendê-lo… Ele parece não perceber que é um filho do mesmo Deus diante do qual ele ora. E ele toma como certo que Deus também o rejeita. Ou seja: o fariseu tem uma ideia de Deus que se contenta com ritos e práticas religiosas… apesar do fato de que a Escritura diz, para dar um exemplo, “Eu desejo misericórdia e não sacrifício“.
O teu crescimento espiritual manifesta-se sobretudo no amor fraterno, generoso, misericordioso. Assim no-lo diz São Paulo: «O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12). Possas tu viver cada vez mais aquele «êxtase» que consiste em sair de ti mesmo para buscares o bem dos outros, até dar a vida. (EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL CHRISTUS VIVIT, 163 – Papa Francisco)
Por outro lado, a outra pessoa orante (a “única”), usa muito poucas palavras e um gesto de arrependimento. Ele não precisa dar longas explicações a Deus. Nem ele lhe dá instruções. Ele reconhece que seu estilo de vida está longe do que Deus espera dele. Isto é o que as autoridades religiosas lhe ensinaram: que tributar o povo de Deus para pagar impostos ao opressor romano é um pecado grave. E não é fácil sair desse pecado, porque era o seu sustento e o de sua família… Ele nem sequer declara suas intenções ou promete mudar. Ele não se perguntou se, em tal situação, ele é digno de se dirigir a Deus, ou se tem algum direito de ser ouvido. Ele só confia e ora para que Deus o escute e tenha compaixão. Essa é sua esperança.
Este segundo orante nos leva a outro ponto de reflexão: o pecado. Hoje parece ser um conceito confuso. Às vezes temos sido tão insistentes em nos considerar como pecadores que acabamos chamando muitas coisas de “pecado“… e não é incomum, como reação, ir ao outro extremo, exceto no caso de “pecados” muito grandes e óbvios, que são bastante infrequentes para a maioria dos cristãos. Pode-se sentir que não corresponde ao amor de Deus, ou que não aproveita bem seus talentos, ou que não ama suficientemente os outros, ou que não faz muito pelos pobres… Porém não parece que possamos chamar isso de “pecado“, porque nos falta a vontade, a consciência, a intenção de fazer o mal. Assim também podemos nos reconhecer como limitados, fracos, defeituosos, etc. Mas Jesus não se refere a todas essas coisas como pecados, mas como apelos urgentes à conversão.
Na missa há numerosas referências a nossa condição pecadora… Confesso a Deus, Pai todo-poderoso… Eu não sou digno que entreis em minha casa… Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo tende piedade de nós… Mas no fundo não pensamos realmente em nós mesmos como pecadores, dizemos isso um pouco “INCONSCIENTEMENTE“.
Provavelmente, nosso pecado mais frequente é o do fariseu: PENSAR QUE ESTAMOS EM PAZ COM DEUS. Pensar que fazemos mais do que o suficiente. Porque nós “cumprimos” os mínimos religiosos, e até mesmo vamos além deles. Este é o pecado da “MEDIOCRIDADE” ou falta de ardor, por estar convencido de que “eu já faço o suficiente”. Ou reduzindo o relacionamento com Deus, o caminho da fé e da vida espiritual a uma questão de realização exclusivamente religiosa, onde a vida diária, a fraternidade, a justiça, a misericórdia, a generosidade, a gratidão, o cuidado com a criação, a construção da comunidade… são deixados de fora.
Em resumo: humilde diante de Deus, reconhecendo nossa verdade sempre limitada, o desejo de que nossa oração nos ajude a crescer em amor e compromisso fraterno porque como nos fala a Primeira Leitura de hoje:
A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento.
Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, CMF
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)