XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

A PALAVRA

A Palavra que a liturgia de hoje nos apresenta e convida-nos a manter com Deus uma relação estreita, uma comunhão íntima, um diálogo insistente: só dessa forma será possível ao crente aceitar os projetos de Deus, compreender os seus silêncios, respeitar os seus ritmos, acreditar no seu amor.

O Evangelho (Lc 18,1-8) sugere que Deus não está ausente nem fica insensível diante do sofrimento do seu Povo… Os crentes devem descobrir que Deus os ama e que tem um projeto de salvação para todos os homens; e essa descoberta só se pode fazer através da oração, de um diálogo contínuo e perseverante com Deus.

A primeira leitura (Ex 17,8-13) dá a entender que Deus intervém no mundo e salva o seu Povo servindo-Se, muitas vezes, da ação do homem; mas, para que o homem possa ganhar as duras batalhas da existência, ele tem que contar com a ajuda e a força de Deus… Ora, essa ajuda e essa força brotam da oração, do diálogo com Deus.

A segunda leitura (2Tm 3,14-4,2), sem se referir diretamente ao tema da relação do crente com Deus, apresenta uma outra fonte privilegiada de encontro entre Deus e o homem: a Escritura Sagrada… Sendo a Palavra com que Deus indica aos homens o caminho da vida plena, ela deve assumir um lugar preponderante na experiência cristã.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

A ajuda de Deus é decisiva na luta por um mundo mais livre e mais humano que os catequistas de Israel sublinham no papel da oração… Quem sonha com um mundo melhor e luta por ele, tem de viver num diálogo contínuo, profundo, com Deus: é nesse diálogo que se percebe o projeto de Deus para o mundo e se recebe d’Ele a força para vencer tudo o que oprime e escraviza o homem. A oração que dá sentido e conteúdo à intervenção no mundo faz parte da minha vida?

Naqueles dias,
8 os amalecitas vieram atacar Israel em Rafidim.
9 Moisés disse a Josué:
“Escolhe alguns homens e vai combater
contra os amalecitas.
Amanhã estarei, de pé, no alto da colina,
com a vara de Deus na mão”.
10 Josué fez o que Moisés lhe tinha mandado
e combateu os amalecitas.
Moisés, Aarão e Ur subiram ao topo da colina.
11 E, enquanto Moisés conservava a mão levantada,
Israel vencia;
quando abaixava a mão, vencia Amalec.
12 Ora, as mãos de Moisés tornaram-se pesadas.
Pegando então uma pedra,
colocaram-na debaixo dele para que se sentasse,
e Aarão e Ur, um de cada lado
sustentavam as mãos de Moisés.
Assim, suas mãos não se fatigaram até ao pôr do sol,
13 e Josué derrotou Amalec e sua gente a fio de espada.
Palavra do Senhor.

Deus te guarda na partida e na chegada.
Ele te guarda desde agora e para sempre!

R. Do Senhor é que me vem o meu socorro,
do Senhor que fez o céu e fez a terra.

1 Eu levanto os meus olhos para os montes:*
de onde pode vir o meu socorro?
2 “Do Senhor é que me vem o meu socorro,*
do Senhor que fez o céu e fez a terra!” R.

3 Ele não deixa tropeçarem os meus pés,*
e não dorme quem te guarda e te vigia.
Oh! não! ele não dorme nem cochila,*
aquele que é o guarda de Israel! R.
 
5 O Senhor é o teu guarda, o teu vigia,*
é uma sombra protetora à tua direita.
6 Não vai ferir-te o sol durante o dia,*
nem a lua através de toda a noite. R.
 
7 O Senhor te guardará de todo o mal,*
ele mesmo vai cuidar da tua vida!
8 Deus te guarda na partida e na chegada.*
Ele te guarda desde agora e para sempre! R.

Porque a Palavra de Deus aparece envolta em roupagens e géneros literários típicos de uma época e de uma cultura determinada, é preciso estudá-la, aprender a conhecer o mundo e a cultura bíblica, compreender o enquadramento e o ambiente em que o autor sagrado escreve… As nossas comunidades cristãs têm o cuidado de organizar iniciativas no campo da informação e do estudo bíblico, de forma a proporcionar aos nossos cristãos uma informação adequada para compreender melhor a Palavra de Deus? E quando há essa informação, os nossos cristãos têm o cuidado de aproveitá-la?

Caríssimo:
14 Permanece firme naquilo que aprendeste
e aceitaste como verdade;
tu sabes de quem o aprendeste.
15 Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras:
elas têm o poder de te comunicar a sabedoria
que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus.
16 Toda a Escritura é inspirada por Deus
e útil para ensinar, para argumentar,
para corrigir e para educar na justiça,
17 a fim de que o homem de Deus seja perfeito
e qualificado para toda boa obra.
4,1 Diante de Deus e de Cristo Jesus,
que há de vir a julgar os vivos e os mortos,
e em virtude da sua manifestação gloriosa
e do seu Reino, eu te peço com insistência:
2 proclama a palavra,
insiste oportuna ou importunamente,
argumenta, repreende, aconselha,
com toda a paciência e doutrina.
Palavra do Senhor.

 

 Para que Deus e os seus projetos façam sentido ou, pelo menos, para que a aparente falta de lógica dos planos de Deus não nos lancem no desespero e na revolta, é preciso manter com Ele uma relação de comunhão, de intimidade, de diálogo. Através da oração, percebemos quem Deus é, percebemos o seu amor e a sua misericórdia, descobrimos a sua bondade e a sua justiça… E, dessa forma, constatamos que Ele não é indiferente à sorte dos pobres e que tem um projeto de salvação para todos os homens. A oração é o caminho para encontrarmos o amor de Deus.

Naquele tempo,
1 Jesus contou aos discípulos uma parábola,
para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre,
e nunca desistir, dizendo:
2 “Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus,
e não respeitava homem algum.
3 Na mesma cidade havia uma viúva,
que vinha à procura do juiz, pedindo:
‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’
4 Durante muito tempo, o juiz se recusou.
Por fim, ele pensou:
‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum.
5 Mas esta viúva já me está aborrecendo.
Vou fazer-lhe justiça,
para que ela não venha a agredir-me!”
6 E o Senhor acrescentou:
“Escutai o que diz este juiz injusto.
7 E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos,
que dia e noite gritam por ele?
Será que vai fazê-los esperar?
8 Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa.
Mas o Filho do homem, quando vier,
será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”
Palavra da Salvação.

Reflexão

ORAR SEM SE DESANIMAR

A fé cristã nos oferece uma esperança confiável, graças à qual podemos enfrentar nosso presente. Mesmo que seja um presente difícil, que pode ser vivido e aceito se levar a um objetivo, se pudermos ter certeza deste objetivo e se este objetivo for tão grande que justifique o esforço da viagem“. (Bento XVI, SpeSalvi, nº 2 – Salvo pela esperança)

A parábola de Jesus nos apresenta dois personagens:

  • O primeiro é UM JUIZ, cujo dever é proteger os fracos e os indefesos, mas ao invés disso, é um tolo, irresponsável, iníquo, corrupto, perverso… Ele, em seu monólogo, reconhece que a má reputação que ganhou é bem justificada: “Embora eu não tenha medo de Deus, nem me importo com os homens“.
  • O segundo personagem é UMA VIÚVA. Na literatura do antigo Oriente Médio e na Bíblia ela é um dos símbolos ou protótipo da pessoa indefesa (junto com o órfão, o pobre e o imigrante), exposta a abusos e fraudes, que, dada sua condição, não pode contar com nenhuma ajuda ou mediação… exceto do Senhor. O Livro do Eclesiástico é movido por esta condição e ameaça aqueles que abusam dele:

Nada esperes de um sacrifício injusto, porque o Senhor é teu juiz, e ele não faz distinção de pessoas. O Senhor não faz acepção de pessoa em detrimento do pobre, e ouve a oração do ofendido. Não despreza a oração do órfão, nem os gemidos da viúva. As lágrimas da viúva não correm pela sua face, e seu grito não atinge aquele que as faz derramar? Pois da sua face sobem até o céu; o Senhor que a ouve não se compraz em vê-la chorar. Aquele que adora a Deus na alegria será bem recebido, e sua oração se elevará até as nuvens. A oração do humilde penetra as nuvens; ele não se consolará, enquanto ela não chegar a Deus, e não se afastará, enquanto o Altíssimo não puser nela os olhos. (Eclesiástico 35, 12-21)

A viúva desta história sofreu uma injustiça. Não sabemos qual. Mas ela está reivindicando seus direitos, e o juiz não a ouve. Ela provavelmente não tem dinheiro para um advogado, nem conhece ninguém que aceite seu caso, ou que a possa recomendar. Acima de tudo, ela não tem “homem” para defendê-la nesta sociedade machista. Só lhe resta fazer uma coisa: importunar o juiz continuamente, teimosamente, correndo o risco de aparecer e incomodar.

A parábola continua com o monólogo do magistrado, que já teve o suficiente e finalmente decide resolver o caso. Não porque lamente seu comportamento inaceitável, mas porque está exausto e irritado com a insistência da mulher: “Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!“.

E quem representa o malvado juiz? Ele certamente não representa Deus, pois ele mesmo diz que “não temo a Deus“. Deus não é um juiz distraído de seus deveres e responsabilidades, que deve ser importunado para fazer justiça. Deus é justo e misericordioso sempre e em todos os casos. E ele é muito melhor do que nós, sem dúvida.

Esse personagem sem rosto seria qualquer autoridade que não cumpra eticamente suas responsabilidades. Seria qualquer poder que evitasse atender a quem passa por um tempo pior, que olhasse para o outro lado. Seria o símbolo do abuso, da corrupção, da desumanização que tantas vezes visitaram e visitam a nossa história (e dos quais não seria difícil encontrar exemplos atuais), causando tanto sofrimento, a pessoas específicas e até a povos inteiros.

Jesus está interessado nesta situação insustentável que afeta a viúva, pois é isso que seus discípulos encontrarão com frequência. O próprio Jesus não foi vítima de juízes injustos?

E O QUE FAZER ENTÃO? Esta é a mensagem da parábola: ORAR. Lucas diz que Jesus contou esta parábola para expressar “a necessidade de rezar sempre, sem desanimar“.

A oração em nenhum caso pode pretender forçar Deus para fazer a nossa vontade. Seria tolice – para dizer o mínimo – que tentássemos mudar a vontade de Deus. É ao contrário. Santo Agostinho já dizia: “A oração não é para mover Deus, mas para nos mover“.

Orar sem desanimar (em vez de “sem perder o ânimo”). É fácil desanimar quando não obtemos os resultados esperados, ou quando eles não são proporcionais aos nossos esforços, ou quando falhamos na busca e defesa da justiça, e vemos tantas vezes que o mal tem seu caminho, quando nossas preces não são atendidas… Em resumo: por que rezar, por que continuar, por que insistir?

A oração é o grande meio para não perder a cabeça, mesmo nos momentos mais difíceis e dramáticos, quando tudo parece estar trabalhando contra nós e contra o Reino de Deus. Para não se perder entre os múltiplos e confusos critérios de nossa sociedade, para não nós deixar pressionar por quem quer que seja, nem tomar decisões rápidas e inadequadas. Para que nunca desistamos de defender e exigir o que é justo, o que é bom, o que é ético.

COMO PODEMOS REZAR SEMPRE? Jesus não está pensando que devemos tentar repetir alguma oração jaculatória, ou que devemos lembrá-lo em certas horas do dia. Ou que multipliquemos nossas orações. Tudo isso pode ser muito bom, especialmente se for acompanhado de um sentimento genuíno do coração e de uma vontade de fazer nossa parte no que pedimos. E não é descabido para nos lembrarmos do aviso de Jesus de não sermos charlatães como os pagãos, que pensam que serão ouvidos porque falam muito. O Pai celestial já sabe o que precisamos antes de pedir-lhe: Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras. (Mt 6,7).

Porém a oração a que Jesus se refere, a oração que não deve ser interrompida, consiste em manter um diálogo constante com o Senhor. Que Ele seja nosso critério, nosso apoio e nossa referência para poder avaliar a realidade, os eventos, as pessoas, sem desanimar ou confundir-se. E assim discernir nossos pensamentos, sentimentos, reações, projetos e opções possíveis…

Isto significa e implica que Deus nos fala através de nossa vida diária e através do que está acontecendo com os outros. Por exemplo: um mal-estar sobre algo que não fizemos bem ou um arrependimento; uma preocupação sobre algo que temos pendente. A percepção de que alguém precisa de nós e está esperando por nós. Um chamado para aprender e amadurecer com algo doloroso ou difícil que está acontecendo conosco e para nos perguntarmos como agir sem perder nossos papéis, sem desespero, sem nos deixarmos ir, sem nos resignarmos, sem renunciar ao que não pode ser renunciado (por exemplo, a justiça que a viúva exigia)… Deus também nos espera e nos fala no positivo: para saborear e desfrutar de algo que nos fez bem, ou que nós fizemos bem.

Resumindo:

Olhar a nossa vida lentamente, na sua companhia, com os seus olhos, perguntando-nos: O que me dizes Senhor? Que esperas de mim? Qual é a sua vontade? O que eu tenho que cuidar? O que posso aprender? O que devo fazer?…

Esta oração da qual Jesus fala significa não tomar nenhuma decisão sem antes consultá-lo. Isso significa não virar uma nova folha a menos que ele o faça. Se rompermos ou passarmos sem este relacionamento permanente com Deus, se – para usar a imagem da primeira leitura – deixarmos cair nossos braços, os inimigos da vida e da liberdade vencerão imediatamente. Inimigos que são chamados de paixão, impulsos descontrolados, reações instintivas, interesses de quem quer que seja, pressão do meio ambiente… Jesus já nos advertiu na véspera de sua paixão: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação“.

Para nos ajudar nesta tarefa, São Paulo nos disse hoje:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e qualificado para toda boa obra.

O que implica que é indispensável tê-lo em nossa oração: conhecê-lo (até mesmo estudá-lo), meditá-lo e discerni-lo aplicando-o em nossa vida, e às diferentes situações pessoais e de outras pessoas.

Desta forma, Deus estará “SEMPRE” presente em nossa vida: nos encontros pessoais, nas decisões, nos projetos, nas escolhas…Nos ajudará, como a viúva, a não nos acostumarmos ao que não é de Deus, sem nos cansar, sem nos desencorajar, mesmo sendo pesada a cruz… E poderemos perceber que tudo está nas mãos de Deus e que, ao final, ele fará justiça. Mas se renunciarmos a esta oração… nossa fé acabará se dissolvendo e acabaremos sendo e fazendo o que não queremos ser e fazer.

Por isso, tenha coragem e aproveite ao máximo esta presença próxima de Deus no meio de nossas vidas.

Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, CMF 
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)