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A liturgia deste VII Domingo do Tempo Comum exige-nos o AMOR TOTAL, o amor sem limites, mesmo para com os nossos inimigos. Convida-nos a pôr de lado a lógica da violência e a substituí-la pela lógica do amor.
A primeira leitura (1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23) apresenta-nos o exemplo concreto de um homem de coração magnânimo (Davi) que, tendo a possibilidade de eliminar o seu inimigo, escolhe o perdão.
O Evangelho (Lc 6,27-38) reforça esta proposta. Exige dos seguidores de Jesus um coração sempre disponível para perdoar, para acolher, para dar a mão, independentemente de quem esteja do outro lado. Não se trata de amar apenas os membros do próprio grupo social, da própria raça, do próprio povo, da própria classe, partido, igreja ou clube de futebol; trata-se de um amor sem discriminações, que nos leve a ver em cada homem – mesmo no inimigo – um nosso irmão.
A segunda leitura (1Cor 15,45-49) continua a catequese iniciada há uns domingos atrás sobre a ressurreição. Podemos ligá-la com o tema central da Palavra de Deus deste domingo – o amor aos inimigos – dizendo que é na lógica do amor que preparamos essa vida plena que Deus nos reserva; e que o amor vivido com radicalidade e sem limitações é um anúncio desse mundo novo que nos espera para além desta terra.
Leituras
A lógica da violência tem feito parte da história humana. Nos últimos cem anos conhecemos duas guerras mundiais e um sem número de conflitos resultantes dessa lógica. Como resultado, foram mortos muitos milhões de seres humanos e o mundo conheceu sofrimentos inqualificáveis. Depois disso, o medo de um holocausto nuclear traz-nos em suspenso e a violência quotidiana atinge, todos os dias, um número significativo de pessoas inocentes. Onde nos leva esta lógica? Ela não provou já os seus limites? Ainda acreditamos que a violência seja o princípio de um mundo melhor?
Naqueles dias:
2Saul pôs-se em marcha
e desceu ao deserto de Zif.
Vinha acompanhado de três mil homens,
escolhidos de Israel,
para procurar Davi no deserto de Zif.
7Davi e Abisai dirigiram-se de noite até ao acampamento,
e encontraram Saul deitado
e dormindo no meio das barricadas,
com a sua lança à cabeceira, fincada no chão.
Abner e seus soldados dormiam ao redor dele.
8Abisai disse a Davi:
‘Deus entregou hoje em tuas mãos o teu inimigo.
Vou cravá-lo em terra com uma lançada,
e não será preciso repetir o golpe’.
9Mas Davi respondeu:
‘Não o mates!
Pois quem poderia estender a mão
contra o ungido do Senhor,
e ficar impune?’
12Então Davi apanhou a lança e a bilha de água
que estavam junto da cabeceira de Saul,
e foram-se embora.
Ninguém os viu,
ninguém se deu conta de nada,
ninguém despertou,
pois todos dormiam um profundo sono
que o Senhor lhes tinha enviado.
13Davi atravessou para o outro lado,
parou no alto do monte, ao longe,
deixando um grande espaço entre eles.
22E Davi disse:
‘Aqui está a lança do rei.
Venha cá um dos teus servos buscá-la!
23O Senhor retribuirá a cada um
conforme a sua justiça e a sua fidelidade.
Pois ele te havia entregue hoje em meu poder,
mas eu não quis estender a minha mão
contra o ungido do Senhor.
Palavra do Senhor.
1Bendize, ó minha alma, ao Senhor,*
e todo o meu ser, seu santo nome!
2Bendize, ó minha alma, ao Senhor,*
não te esqueças de nenhum de seus favores! R.
3Pois ele te perdoa toda culpa,*
e cura toda a tua enfermidade;
4da sepultura ele salva a tua vida*
e te cerca de carinho e compaixão. R.
8O Senhor é indulgente, é favorável,*
é paciente, é bondoso e compassivo.
10Não nos trata como exigem nossas faltas,*
nem nos pune em proporção às nossas culpas. R.
12quanto dista o nascente do poente,*
tanto afasta para longe nossos crimes.
13Como um pai se compadece de seus filhos,*
o Senhor tem compaixão dos que o temem. R.
Mais uma vez convém recordar que ver a morte e a ressurreição na perspectiva da fé é libertarmo-nos do medo: medo de agir, medo de atuar, medo de denunciar as forças de morte que oprimem os homens e desfeiam o mundo… Que temos a perder, quando nos espera a vida plena, o mergulho no horizonte infinito de Deus – onde nem o ódio, nem a injustiça, nem a morte podem pôr fim a essa vida total que Deus reserva aos que
percorreram, neste mundo, os caminhos do amor e da paz?
Irmãos:
45O primeiro homem, Adão, ‘foi um ser vivo’.
O segundo Adão é um espírito vivificante.
46Veio primeiro não o homem espiritual,
mas o homem natural;
depois é que veio o homem espiritual.
47O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre;
o segundo homem vem do céu.
48Como foi o homem terrestre,
assim também são as pessoas terrestres;
e como é o homem celeste,
assim também vão ser as pessoas celestes.
49E como já refletimos a imagem do homem terrestre,
assim também refletiremos a imagem do homem celeste.
Palavra do Senhor.
A nossa força e a nossa coragem manifestam-se, precisamente, na capacidade de inverter a lógica da violência e do orgulho e estender a mão a quem nos magoou e ofendeu. O cristão não pode recorrer às armas, à violência, à mentira, à vingança para resolver qualquer situação de injustiça que o atingiu. Esta é a lógica dos seguidores de Jesus, desse que morreu pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos.
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:
27A vós que me escutais, eu digo:
Amai os vossos inimigos
e fazei o bem aos que vos odeiam,
28bendizei os que vos amaldiçoam,
e rezai por aqueles que vos caluniam.
29Se alguém te der uma bofetada numa face,
oferece também a outra.
Se alguém te tomar o manto,
deixa-o levar também a túnica.
30Dá a quem te pedir
e, se alguém tirar o que é teu,
não peças que o devolva.
31O que vós desejais que os outros vos façam,
fazei-o também vós a eles.
32Se amais somente aqueles que vos amam,
que recompensa tereis?
Até os pecadores amam aqueles que os amam.
33E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem,
que recompensa tereis?
Até os pecadores fazem assim.
34E se emprestais
somente àqueles de quem esperais receber,
que recompensa tereis?
Até os pecadores emprestam aos pecadores,
para receber de volta a mesma quantia.
35Ao contrário, amai os vossos inimigos,
fazei o bem e emprestai
sem esperar coisa alguma em troca.
Então, a vossa recompensa será grande,
e sereis filhos do Altíssimo,
porque Deus é bondoso também
para com os ingratos e os maus.
36Sede misericordiosos,
como também o vosso Pai é misericordioso.
37Não julgueis e não sereis julgados;
não condeneis e não sereis condenados;
perdoai, e sereis perdoados.
38Dai e vos será dado.
Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante
será colocada no vosso colo;
porque com a mesma medida com que medirdes os outros,
vós também sereis medidos.’
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
SUPERE OS INIMIGOS
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Dizem que o ápice da mensagem evangélica deste VII Domingo do Tempo Comum se recolhe nestas palavras: “amai vossos inimigos… para que sejais filhos de nosso Pai celeste”.
A palavra “INIMIGO” é uma palavra forte, e provavelmente evitamos aplicá-la e até dizemos: “Não tenho inimigos“. Um inimigo seria alguém que não gosta muito de nós, que pretende nos prejudicar, que sistematicamente nos leva para o lado oposto ou despreza nossos pontos de vista, sua presença nos incomoda, compete conosco para nos decepcionar…
O Papa Francisco escreveu:
“… me dói muito comprovar como em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?” (Evangelii Gaudium 100)
Haverá aqueles que têm inimigos porque os procuram com sua maneira inadequada de ser ou estar (alguém hostil, limítrofe, mentiroso, imaturo, manipulador…). Mas outras vezes não há justificativa: se até o próprio Jesus tinha inimigos declarados, porque seus valores, atitudes e opções se chocavam abertamente com os de outros que se sentiam ameaçados ou expostos por ele.
Para compreender a radicalidade e o alcance das palavras de Jesus, que pede aos seus discípulos: “amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar nada… e sereis filhos do Altíssimo”, será bom para nós para rever brevemente alguns com quem temos que colocá-los em prática:
- O outro, ou seja, aquele com caráter, critérios, ideias, intenções diferentes… Ou seja, o diferente. Quem não tem os meus gostos, as minhas ideias, não partilha dos meus pontos de vista. Aquele com quem um entendimento aceitável é tão difícil para mim. Não os suportamos. Entre nós há incompatibilidade de caráter, de mentalidade, de temperamento. Mal-entendidos, incompreensões e sofrimento ocorrem facilmente. Você se lembra do que Sartre disse: “o inferno são os outros”.
- O adversário, aquele que, por qualquer motivo, compete comigo, geralmente me contradiz, tenta se colocar acima de mim, se safar, quer ter sempre razão, impor-me sua maneira de ver as coisas. Quantas vezes alguém de casa: companheiro, filhos, pais, irmão, colegas de trabalho…
- O pesado ou inoportuno, que me faz perder meu tempo, que me repete mil vezes as coisas como se eu não tivesse ouvido, aquele que tem a capacidade de me interromper no pior momento, que me cansa, me aborrece, me esgota.
- O fofoqueiro que faz comentários pelas minhas costas, ou tem que colocar alguém para baixo, aquele que me desacredita, aquele que espalha boatos e comentários com ou sem fundamento, é indiscreto, não sabe guardar segredo, ou pede desculpas…
- O hipócrita que tem vários rostos, e ocultas intenções, que se esconde quando lhe convém, em que você não pode confiar, que você não sabe se ele está indo ou vindo, ou o que ele realmente pensa… Ele não está longe do “mentiroso”.
- O antipático, aquele que eu não gosto, não gosto do jeito que ele é, com quem não tenho quase nada em comum, tenho dificuldade em aturar e prefiro evitá-lo …
O que Jesus nos pede para fazer com todos esses “personagens”?
Primeiros quatro pedidos gerais:
- Ame seus inimigos
- Faça o bem a quem te odeia,
- Abençoe (fale bem) aqueles que te amaldiçoam,
- Ore por aqueles que o caluniam.
E então alguns comportamentos concretos:
- A quem te bater numa face, apresente-lhe a outra;
- Quem tirar sua capa, não o impeça de levar a túnica.
- Quem te pedir, dá.
- Quem pegar o que é seu, não reivindique.
Em outras palavras, a antiga Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”) não é válida. Nem confrontá-los, ou seja, não corresponder com suas mesmas atitudes. Se eles “atiram” e eu atiro também… então eu os alcancei, e de alguma forma você pode dizer que eles me venceram. E então, além disso, vou me sentir mal. Eu não queria atirar. Mas no fundo eles tiveram o que mereciam… essa inimizade e violência permanecem.
Jesus não convida à “passividade”, a deixar-se pisar, a ser aproveitado. Em vez disso, como as Escrituras dizem em outro lugar, trata-se de “vencer o mal com o bem”. Não jogue mais lixo do que já existe. Mesmo sendo “excessivos” na nossa forma de tratá-los “bem”. Ame-os para desarmá-los.
Agora, “amá-los” não significa:
- Minimizar o que nos machucou. Se você tem, você tem que dar a ele.
- Nem significa “nada aconteceu aqui”. Porque aconteceu. O outro pode se corrigir e mudar de atitude… ou talvez não. Talvez ele não estivesse muito ciente do mal que estava me causando, procure perdoá-lo, como Jesus fez na cruz com seus assassinos (“perdoa-os porque não sabem o que estão fazendo”). É o triunfo do amor em mim, sobre a dor, a raiva ou o desejo de amaldiçoar ou se vingar.
Para que isso seja possível, é preciso contar com a ajuda de Deus, com aquele amor incondicional com o qual Ele tratou-me, um amor que nunca me retira, mesmo que eu mereça. Quem tem consciência de suas limitações e erros e experimenta que Deus os trate bem apesar de tudo… deixa de ser intransigente com os outros.
- Eu não tenho que ter sentimentos positivos em relação a ele. Os sentimentos não podem ser forçados. Eles surgem ou não surgem. Eles não dependem da nossa vontade. Se eu não gosto de alguém… não posso me obrigar a gostar dele, por exemplo. Mas posso tratá-lo bem, corretamente, gentilmente, educadamente. Não há necessidade de levá-lo para casa comigo.
- As feridas demoram a fechar. Mesmo que eu perdoe… isso não para automaticamente de me machucar. Eu preciso me dar tempo. Talvez eu nunca pare de sofrer. Mas também não convém continuar pensando no que aconteceu, fazendo com que a ferida permaneça aberta ou mesmo se aprofunde e apodreça. Isso é como “dar-lhes poder” para que tornem nossas vidas amargas, mesmo que esse tempo tenha passado. É uma forma absurda de trazer para o presente… o que é melhor deixar no ontem.
Este é o desafio de Jesus: Seja perfeito como nosso Pai celestial. Uma perfeição que consiste e se concentra em nosso trato com os outros, e não naquela “auto-perfeição” em que os fariseus se esforçavam tanto. Uma perfeição que só é possível na medida em que experimentamos em nós mesmos o amor/misericórdia de Deus.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda