XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)

A PALAVRA

A liturgia deste décimo quarto domingo comum revela a “estratégia” divina para se aproximar de nós e continuar sua obra criadora na história. Deus chama pessoas frágeis, simples e comuns, enviando-as para testemunhar Sua proposta de salvação. É precisamente na fragilidade desses enviados que se revela a irresistível força de Deus.

Na Primeira Leitura (Ez 2,2-5), encontramos um trecho do relato da vocação de Ezequiel. A vocação profética é apresentada como uma iniciativa de Javé, que escolhe um “filho de homem” – um homem comum, com suas limitações e fragilidades – e lhe concede força para ser, no meio de seu povo sofredor, o arauto da salvação divina.

A Segunda Leitura (2Cor 12,7-10) traz Paulo assegurando aos cristãos de Corinto, por meio de seu exemplo pessoal, que Deus atua e manifesta Seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo, um ser humano vivendo na condição de finitude, vulnerabilidade e debilidade, manifesta-se ao mundo a força e a Vida de Deus.

No Evangelho (Mc 6,1-6), vemos, através do exemplo das gentes de Nazaré, o que pode acontecer quando não compreendemos a “estratégia” divina para intervir no mundo e na história. Arriscamo-nos a passar ao lado de Deus sem vê-Lo, a ignorar Seus desafios e a tratar com indiferença Sua proposta de salvação.

Esta mensagem, repleta de simplicidade e profundidade, nos convida a refletir sobre a maneira como Deus opera em nossas vidas. Ele não escolhe os mais fortes ou os mais sábios, mas sim aqueles que, na sua humildade e fragilidade, permitem que a grandiosidade de Sua força se manifeste. Que possamos abrir nossos corações e mentes para perceber a presença divina em nosso cotidiano, reconhecendo e aceitando os enviados de Deus, com todas as suas imperfeições, como portadores da mensagem de salvação e amor eterno.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Mesmo em meio a um bando de rebeldes, saberão que entre
eles caminhou um verdadeiro profeta.

2 Naqueles dias, depois de me ter falado,
entrou em mim um espírito que me pôs de pé.
Então, eu ouvi aquele que me falava,
3 o qual me disse:
“Filho do homem,
eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes,
que se afastaram de mim.
Eles e seus pais se revoltaram contra mim
até ao dia de hoje.
4 A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra,
vou-te enviar, e tu lhes dirás:
‘Assim diz o Senhor Deus’.
5 Quer te escutem, quer não
– pois são um bando de rebeldes –
ficarão sabendo que houve entre eles um profeta”.
Palavra do Senhor.

Com os olhos fixos no Senhor, clamamos
por Sua misericórdia:
ó Senhor, tende piedade.

R. Os nossos olhos, estão fitos no Senhor:
    tende piedade, ó Senhor tende piedade!

1 Eu levanto os meus olhos para vós,*
que habitais nos altos céus.
2a Como os olhos dos escravos estão fitos*
nas mãos do seu senhor. R.
 
b Como os olhos das escravas estão fitos*
nas mãos de sua senhora,
c assim os nossos olhos, no Senhor,*
d até de nós ter piedade. R.

3 Tende piedade, ó Senhor, tende piedade;*
já é demais esse desprezo!
4 Estamos fartos do escárnio dos ricaços*
e do desprezo dos soberbos! R.

Em todas as minhas fraquezas, encontro motivos para glorificação,
pois é através delas que a força de Cristo habita e brilha em mim.

Irmãos:
7 Para que a extraordinária grandeza
das revelações não me ensoberbecesse,
foi espetado na minha carne um espinho,
que é como um anjo de Satanás a esbofetear-me,
a fim de que eu não me exalte demais.
8 A esse propósito,
roguei três vezes ao Senhor que o afastasse de mim.
9 Mas ele disse-me: 
“Basta-te a minha graça.
Pois é na fraqueza que a força se manifesta”.
Por isso, de bom grado,
eu me gloriarei das minhas fraquezas,
para que a força de Cristo habite em mim.
10 Eis porque eu me comprazo nas fraquezas, nas injúrias,
nas necessidades, nas perseguições
e nas angústias sofridas por amor a Cristo.
Pois, quando eu me sinto fraco, 
é então que sou forte.
Palavra do Senhor.

Em sua terra natal, até mesmo um profeta encontra dificuldade em ser valorizado, um reflexo profundo das barreiras invisíveis que limitam o reconhecimento dos dons e vocações que florescem em nosso próprio meio.

Naquele tempo,
1 Jesus foi a Nazaré, sua terra,
e seus discípulos o acompanharam.
2 Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Muitos que o escutavam ficavam admirados 
e diziam:
“De onde recebeu ele tudo isto?
Como conseguiu tanta sabedoria?
E esses grandes milagres
que são realizados por suas mãos?
3 Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria
e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão?
Suas irmãs não moram aqui conosco?”
E ficaram escandalizados por causa dele.
4 Jesus lhes dizia: 
“Um profeta só não é estimado em sua pátria, 
entre seus parentes e familiares”.
5 E ali não pôde fazer milagre algum.
Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
6 E admirou-se com a falta de fé deles.
Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando.
Palavra da Salvação.

Homilia

DEMONIZAR O PROFETA

Não é fácil ‘RECONHECER UM AUTÊNTICO PROFETA’. O que costuma ocorrer é a resistência, a crítica e a busca por argumentos para justificar nossa própria conduta. Essa dinâmica persiste tanto no âmbito político quanto religioso.
Vamos analisar essa homilia em três partes:

  • A incredulidade dos conterrâneos de Jesus – Quando Jesus voltou à sua cidade natal, seus conterrâneos não o reconheceram como profeta. Eles o viam apenas como o filho do carpinteiro, incapaz de realizar feitos extraordinários. A familiaridade muitas vezes nos impede de enxergar o extraordinário nas pessoas próximas a nós.
  • A incredulidade contemporânea – Hoje em dia, também somos céticos em relação a figuras que se apresentam como profetas ou mensageiros de verdades profundas. A desconfiança é natural, mas devemos estar abertos a ouvir e considerar ideias que desafiam nossa visão de mundo.
  • A humildade do profeta – Um verdadeiro profeta não se destaca por grandiosidade ou poder, mas pela humildade. Ele não busca aplausos, mas sim transmitir uma mensagem que pode transformar vidas. A humildade é a marca registrada daqueles que realmente têm algo importante a dizer.
A INCREDULIDADE DOS CONTERRÂNEOS DE JESUS

O Evangelho de Marcos nos apresenta hoje as perguntas que os conterrâneos de Jesus faziam ao ouvir falar dos milagres que Ele realizava em outras partes e do novo ensinamento que transmitia, diferente dos mestres de Israel. Quando seus conterrâneos perguntam: “Não é este o filho de Maria?“, eles talvez estivessem insinuando que não conheciam seu pai, José, mas reconheciam Maria como sua mãe. Para eles, esses argumentos eram suficientes para não crer em Jesus nem aceitar sua mensagem.
Jesus é desprezado por aqueles que o conheciam desde a infância, prolongando assim a resistência histórica do povo de Israel contra seus profetas e mantendo uma constante ofensa a Deus, como profetizado por Ezequiel na primeira: “… Eles e seus pais se revoltaram contra mim até ao dia de hoje‘, gerações subsequentes continuam tão rebeldes quanto, se não mais.

Este relato nos convida a refletir sobre como podemos, mesmo sem perceber, resistir à mensagem de transformação e redenção que Jesus nos traz. Muitas vezes, a familiaridade com a pessoa ou com as tradições estabelecidas nos impede de reconhecer a verdade divina que nos desafia a mudar e crescer espiritualmente. Ao ler estas palavras, somos convidados a examinar nossas próprias atitudes em relação ao novo e ao desconhecido, abrindo-nos para a possibilidade de encontrar Deus de maneiras que talvez nunca tenhamos imaginado.

A INCREDULIDADE CONTEMPORÂNEA

Também hoje fechamos nossos corações à verdade. Desqualificamos aqueles que pensam diferente. Demonizamos e desacreditamos outros sem questionar nossos próprios pressupostos. Devemos nos perguntar: quais figuras públicas eu demonizo? Será que questiono minhas críticas ou estou convencido de que estou sempre certo?”

A partir destas perguntas somos convidados a uma reflexão profunda sobre como lidamos com opiniões divergentes e com aqueles que pensam de maneira diferente. Muitas vezes, em vez de considerar outras perspectivas, tendemos a desqualificar ou até mesmo a demonizar aqueles que discordam de nós. Isso não apenas fecha o diálogo, mas também impede o crescimento pessoal e a compreensão mútua.

Ao reconhecer nossa propensão a julgar precipitadamente, somos desafiados a examinar nossas próprias certezas e a estar abertos ao aprendizado contínuo. Questionar nossas críticas e estar dispostos a considerar diferentes pontos de vista não só enriquece nossa compreensão do mundo, mas também fortalece nossa capacidade de construir pontes e promover a paz e a harmonia em nossas interações diárias.

A HUMILDADE DO PROFETA

A segunda leitura nos oferece outra chave para o discernimento profético: o profeta é humilde, não é soberbo, reconhece sua própria fraqueza e vulnerabilidade; por isso, é misericordioso e compreensivo. O profeta não acusa os outros sem antes se autoacusar. Ele não se sente superior aos demais.

Quando a soberba coletiva cresce, é claro que tendemos a demonizar os outros! A soberba e a mentira são características dos demônios. Eles ocultam sua própria corrupção para se apresentarem como anjos de luz!

O humilde Jesus ficou surpreso com a falta de fé e com o fato de ser demonizado. Talvez lhe faltasse experiência missionária naquele momento inicial. Ele começou a compreender aos poucos que o Reino de Deus é como uma pequena semente que é plantada. Jesus se tornou paciente e passou a ter uma visão mais ampla. Ele estava preparado para enfrentar muitas batalhas, mas não para perder a guerra. No final, na cruz, Ele exclamou: ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem‘. Assim, o profeta que foi demonizado se tornou a fonte do Espírito.

Neste ponto do da nossa homilia somos convidados a refletir sobre a humildade e a compaixão como características essenciais de qualquer autêntico mensageiro de Deus. Ao nos identificarmos com a humildade de Jesus e compreendermos que todos somos vulneráveis e falíveis, podemos aprender a tratar os outros com misericórdia e compreensão. Isso contrasta diretamente com a soberba e a tendência de julgar precipitadamente, que apenas servem para dividir e criar conflitos. A mensagem final sobre o perdão e a transformação através do amor nos leva a buscar a luz do Espírito Santo, que traz reconciliação e paz verdadeira.

CONCLUSÃO

Tenhamos paciência. Sejamos compreensivos. Reconheçamos nossa fraqueza, nosso pecado. Sejamos humildes. Somente assim a profecia ressoará em nossos lábios e moldará nossas ações. O Mestre continuará falando através de nós e curando através de nossas mãos: ‘Aprendam de mim, que sou manso e humilde de coração‘.

Este apelo nos convida a cultivar virtudes essenciais para sermos verdadeiros mensageiros de Deus: paciência, compreensão, humildade e reconhecimento de nossa própria fragilidade. Quando abraçamos essas qualidades, nos tornamos canais mais eficazes para a mensagem divina, permitindo que o amor e a cura de Cristo fluam através de nossas vidas para o mundo ao nosso redor.

A referência à mansidão e humildade de coração de Jesus destaca a importância de imitarmos seu exemplo em nossas interações diárias. Ao seguir seus passos, não apenas comunicamos a mensagem de Cristo com autenticidade, mas também demonstramos seu poder transformador através de nossas ações e palavras.

Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU